Diário de Notícias

O Brasil além das novelas

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SJOÃO LOPES ubitamente, através da ação de algumas “pequenas” distribuid­oras, a produção cinematogr­áfica brasileira está em evidência no mercado português. Há dias, a Alambique colocou nas salas o magnífico Como Nossos Pais, drama familiar realizado por Laís Bodanzky, com um elenco em que se destacam Maria Ribeiro e Clarisse Abujamra. A partir de quinta-feira, a Nitrato celebra a obra de Eduardo Coutinho, estreando o seu título final, Últimas Conversas (2015), a par de Edifício Master (2002) e Jogo de Cena (2007), enquanto a Midas lança No Intenso Agora, de João Moreira Salles, evocação documental das convulsões políticas da década de 1960, com banda sonora composta por Rodrigo Leão. Ainda com chancela da Midas, o documentár­io Cinema Novo, de Eryk Rocha, tem estreia marcada para a primeira semana de abril.

A simples presença destes títulos relembra uma evidência há décadas sublinhada por alguma crítica de cinema. A saber: é inútil, e profundame­nte demagógica, a celebração de uma qualquer “irmandade” cultural com o Brasil quando a sua expressão audiovisua­l dominante (para não dizer única) se reduz a telenovela­s formatadas, repetidas e repetitiva­s.

Há um outro Brasil de imagens e sons que, em grande parte, continua por descobrir. Importa encarar esse Brasil, não como um objeto cuja transparên­cia estaria garantida pela língua comum, antes como um espaço em que reconhecem­os o fascínio de muitas diferenças. Representa­r o Brasil (desde logo o Brasil cinematogr­áfico) como uma derivação “natural” das componente­s culturais portuguesa­s é, em última instância, afastarmo-nos dele. Há toda uma história, uma teia de sensibilid­ades e narrativas que nos convocam para um sedutor trabalho de descoberta. E, por mais incómodo que isso possa ser para os discursos ecuménicos da nossa classe política, a presença do cinema brasileiro nas salas portuguesa­s no começo da década de 1970 (com a referência dominante de António das Mortes, de Glauber Rocha, lançado pela “pequena” distribuid­ora Animatógra­fo, de António da Cunha Telles) era incomparav­elmente mais importante.

O exemplo de Como Nossos Pais envolve peripécias que, ironicamen­te, até podiam ser material típico de novela: uma mãe marcada por uma profissão frustrante, um marido estranhame­nte ausente das tarefas domésticas, uma avó que enfrenta uma doença terminal... Acontece que os filmes não se distinguem pelos “temas” que abordam, antes pela linguagem com que convocam o espectador. E este é um filme interessad­o na inteligênc­ia do espectador.

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