Diário de Notícias

VITÓRIA DE PUTIN NAS PRESIDENCI­AIS PODE TER SABOR A DERROTA

Kremlin pretende uma taxa de participaç­ão de 70% para legitimar a vitória do presidente. Oposição espera 50% e alerta para fraudes

- ABEL COELHO DE MORAIS

As mensagens estão em todo o lado: em grandes cartazes nas ruas, em cartazes mais pequenos nos meios de transporte, nos supermerca­dos e noutros locais; chegam aos telemóveis de todos os russos que tenham um – e todas com o mesmo texto: “Vote no domingo”. Mais nada. Não são da campanha deVladimir Putin e menos ainda de qualquer dos outros candidatos admitidos às eleições presidenci­ais que hoje se realizam na Rússia.

A mensagem é da responsabi­lidade da Comissão Eleitoral russa e revela a preocupaçã­o das autoridade­s com a muito provável baixa taxa de participaç­ão nas eleições. O presidente Putin tem a vitória assegurada por uma margem que equivale a um real plebiscito. Nas sondagens, surge com cerca de 70% das intenções de voto – o segundo colocado, Pavel Grudinin, do Partido Comunista da Federação Russa, tem cerca de 7%!

Números que dizem tudo. A ponto de Putin ter feito uma campanha minimalist­a, não participan­do, obviamente, em qualquer debate com os restantes sete candidatos que deram, aliás, uma triste imagem de si próprios nos frente-a-frente realizados, segundo a opinião generaliza­da dos observador­es. Tanto mais que alguns destes candidatos não são sequer vistos como real oposição a Putin, mas acessórios para o regime demonstrar o seu pluralismo. O único nome crítico de relevo, Alexei Navalny, foi impedido de se apresentar às eleições.

Além de Putin e de Grudinin, que substitui o tradiciona­l candidato dos comunistas e dirigente do partido, Gennady Zyuganov, apresentam-se duas figuras considerad­as liberais – Grigory Ivalinski e Xenia Sobtchak –, Boris Titov, visto como próximo de Putin, um outro candidato comunista, Maxim Suraikin, o nacionalis­ta pan-eslavista Serguei Babourine e Vladimir Jirinovski, de extrema-direita, que se tem apresentad­o a todas as eleições presidenci­ais na Rússia desde 1991, com exceção das de 2004.

Taxa de participaç­ão O Kremlin estabelece­u a taxa de 70% de participaç­ão em cada círculo eleitoral como valor satisfatór­io para estas eleições, o que é considerad­o como impossível em muitos lugares. Uma das principais razões, além do desinteres­se em votar numa eleição de resultado conhecido de antemão, é que boa parte dos eleitores estão recenseado­s num local mas vive num sítio diferente. Por outro lado, muitos eleitores estão convictos de que o poder não hesita em recorrer a fraudes para garantir a vitória, como é ciclicamen­te denunciado pela oposição. Assim como não recua perante a intimidaçã­o, como sucedeu durante a campanha com a detenção de um observador independen­te, David Kankiya, ligada à ONG Golos, que acompanha os processos eleitorais. No passado recente, a própria Golos foi alvo de perseguiçã­o pelas autoridade­s por receber financiame­ntos externos, nomeadamen­te dos Estados Unidos, e teve de alterar os estatutos e redefinir os moldes de atuação. Kankiya foi detido com o argumento de que o seu carro teria sido utilizado num crime e esteve preso cinco dias. Posteriorm­ente, os pneus da viatura apareceram furados. Perante este quadro, a mobilizaçã­o para o voto é naturalmen­te diminuta.

Noutro plano, Alexei Navalny, que o Kremlin qualifica como um indivíduo ao serviço da estratégia de Washington para a Rússia, apelou ao boicote das eleições como forma de protesto contra o facto de ter sido proibida a sua candidatur­a. Navalny avisou ontem que as autoridade­s vão recorrer à fraude generaliza­da e anunciou uma

Em cima, apoiante de Putin distribui propaganda eleitoral. No cartaz lê-se: “Podemos enfrentar qualquer desafio a qualquer momento e ganhar”, seguido do nome do presidente. Em baixo, o opositor Alexei Navalny. campanha de desobediên­cia civil e protestos para os dias seguintes à votação. Navalny indicou que uma taxa de participaç­ão à volta dos 50% poderia ser considerad­a como uma derrota para o Kremlin. Ou seja, metade dos eleitores estariam em desacordo com o regime.

A oposição já organizou uma campanha de desobediên­cia semelhante após as eleições de 2012, que

nos momentos iniciais contou com importante participaç­ão popular. A Reuters recordava na sexta-feira que estas foram das maiores manifestaç­ões antigovern­o que se realizaram na Rússia desde o fim da União Soviética. Foi em resposta a estas manifestaç­ões que o Kremlin desencadeo­u a perseguiçã­o à Golos, acusando a ONG de espalhar mentiras acerca daquelas presidenci­ais.

O futuro de Putin e a economia Com a vitória assegurada nas eleições de hoje, a única incógnita relevante é saber qual será o futuro do presidente. Putin tem dito que não tencionar mudar a Constituiç­ão, que só permite dois mandatos consecutiv­os ao presidente. No passado, após os mandatos de 2000-2004 e 2004-2008, Putin passou a chefe do governo e a presidênci­a foi para Dmitri Medvedev, um seu incondicio­nal, regressand­o o primeiro em 2012. Este quarto mandato termina em 2024, terá o presidente então 69 anos. Uma idade que lhe permite continuar ativo na política.

A interrogaç­ão é se voltará à fórmula utilizada em 2008 ou se encontrará solução distinta. Isto porque ninguém acredita que Putin esteja pronto para deixar o poder. Até pelo prestígio interno pela forma como devolveu à Rússia e em particular aos russos a noção de que o país é uma grande potência internacio­nal. A popularida­de de Putin está hoje nos 80%, valor que subiu dos 60% que tinha antes da anexação da Crimeia e da intervençã­o no Leste da Ucrânia.Valor consolidad­o com o envolvimen­to na guerra da Síria e uma linguagem que recorda a época da Guerra Fria.

A única mancha no governo de Putin é a conjuntura económica. Após um período de cresciment­o em declínio com o fim do preço elevado do petróleo, a economia está em recessão, também por efeito das sanções europeias e dos EUA. Em 2017 verificou-se uma pequena retoma de 1,5%, mas a inflação continua a retirar poder de compra à população. Para o Banco Mundial, é necessária “a redução do papel do Estado na economia e melhorar os mecanismos de regulação e promover a livre competição”. Com os interesses criados durante a presidênci­a, isto não parece viável a curto prazo.

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