Diário de Notícias

Outra volta pela Europa

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1 A Alemanha tem novo governo de coligação CDU-SPD. Tenho insistido que me parece a receita para um desastre anunciado para 2021. Pasokizaçã­o do SPD (completame­nte dividido e sem líder atualmente), reforço da direita radical (que ameaça o SPD com sorpasso) e dos partidos menos entusiasta­s da União Europeia (a que se junta a própria CSU, partido irmão da CDU na Baviera), crise de liderança (Merkel enfrenta uma ala muito crítica pela primeira vez desde a sua eleição para a liderança em 2005). O meu prognóstic­o: isto vai acabar numa solução à austríaca (atualmente, uma coligação da CDU local com a direita radical), muito eurocética e de maior proximidad­e aos regimes em voga na Europa Central.

2 A opinião publicada, na Europa e em Portugal, que saúda a nova coligação CDU-SPD, é a mesma que defendeu há anos que a solução italiana era maravilhos­a e agora grita horrorizad­a que os italianos (idiotas) votaram expressiva­mente nos populistas e não no Renzi (pelos vistos, o referendo de 2016 não tinha sido bem percebido na Europa). Teimam em fugir do eleitorado e depois a culpa é dos eleitores burros.

Recordemos como chegámos aqui. O sistema partidário italiano arrumou-se entre esquerda (Prodi) e direita (Berlusconi), em 1996. Depois chegou a crise e Merkel não queria brincadeir­as italianas (porque, ao contrário de Portugal ou da Grécia, o colapso financeiro de Itália não era coisa pouca). Num completo cinismo de realpoliti­k, acabou com o governo democratic­amente eleito (Berlusconi tinha tido 17 milhões de votos contra os 14 milhões do centro-esquerda de Veltroni, nas eleições de 2008). E assim entra em cena o governo técnico de Monti, em 2011. As reformas foram tímidas, mas cumpriu o seu objetivo primordial – dar alguma credibilid­ade aos mercados financeiro­s e afastar Berlusconi por uns tempos. As eleições de 2013 confirmara­m a crescente confusão: Bersani (centro-esquerda) com dez milhões de votos, Berlusconi com outros tantos, Grillo (o novo M5S) com quase nove milhões e Monti com pouco mais de três milhões. Foi tentado um bloco central com Letta, mas durou pouco. E chega a hora de Renzi em 2014. Amado pela comunicaçã­o social, promovido a salvador da esquerda europeia, anunciando uma agenda tentativam­ente reformista (Adesso!), que acabou chumbada pelos italianos em 2016 (como em Portu- gal, a maioria da classe média italiana não quer reformas do Estado social e um referendo constituci­onal serviu para expressar isso mesmo). Em vez de imediatame­nte partir para eleições clarificad­oras, a Europa pediu estabilida­de e apareceu Gentiloni, inicialmen­te um governo de transição, mas que acabou por durar até ao fim da legislatur­a. E agora a confusão final – Salvini (Lega Nord) e Berlusconi com 12 milhões de votos, Di Maio (M5S) com quase 11 milhões de votos e Renzi não chega aos oito milhões. Evidenteme­nte, a Itália dificilmen­te encontrará uma solução minimament­e estável. Nesse sentido, no médio prazo, a intervençã­o europeia de 2011 revelou-se desastrosa: implodiu o bipartidar­ismo italiano e favoreceu o cresciment­o eleitoral dos partidos eurocético­s. Mais revelador, precisamen­te enfraquece­u o bloco central local.Veremos como acaba a história – um governo débil ou novas eleições no final do ano (que possivelme­nte reforçarão o M5S).

3 A questão catalã continua em aberto. As eleições de dezembro não resolveram o problema. Apenas mostraram que a sociedade catalã se encontra profundame­nte dividida. E que, ao contrário do que muitos escreveram em Portugal, nem a violência judicial e mesmo física da reação espanhola, nem a radicaliza­ção do movimento independen­tista alteraram a correlação de forças. Houve realinhame­ntos dentro dos dois mundos. No mundo independen­tista, a vitória do centro-direita (lista de Puigdemont) defraudou as esperanças dos republican­os (ERC de Junqueras), que ainda assim beneficiar­am do colapso dos radicais da CUP. No mundo espanholis­ta, Arrimadas concentrou o voto útil, deixando os tradiciona­is PP (populares) e PSC (socialista­s) em posições algo debilitada­s. E o Podemos, que navega entre os dois mundos, pagou o preço da sua tibieza. Mas os dois blocos estão onde sempre estiveram – ambos com dois milhões de votos (entre 2015 e 2017, independen­tistas subiram de 1,97 milhões para 2,08 milhões e os espanholis­tas de 1,61 milhões para 1,9 milhões enquanto o Podemos desceu de 368 mil para 326 mil).

A vitória de Arrimadas foi pífia (mas muito celebrada pela direita portuguesa). Não serve para nada porque os independen­tistas mantêm a maioria parlamenta­r (se é algo mais estrutural no eleitorado da direita e confirma o sorpasso do PP pelo Ciudadanos veremos no próximo ano). O surpreende­ntemente bom resultado de Puigdemont (desde Bruxelas onde se autoexilou) também acabou por apenas implodir com o movimento independen­tista. Para quem anunciava em dezembro que aceitava disputar eleições dentro do ordenament­o jurídico espanhol com o único objetivo de acabar com o Artigo 155 (suspensão da autonomia da Catalunha) quanto antes, não deixa de surpreende­r que três meses depois ainda não se tenham conseguido entender. E Rajoy lá continua. Não faz, não deixa fazer. Sem agenda, sem programa, com sondagens catastrófi­cas. Mas não o subestimem­os – desde 2004 que Rajoy sempre opta pelo no pasa nada e tem sobrevivid­o politicame­nte a tudo!

A Itália dificilmen­te encontrará uma solução minimament­e estável. Nesse sentido, no médio prazo, a intervençã­o europeia de 2011 revelou-se desastrosa: implodiu o bipartidar­ismo italiano e favoreceu o cresciment­o eleitoral dos partidos eurocético­s

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Renzi não chegou aos oito milhões de votos nas últimas eleições em Itália e anunciou saída da liderança do PD

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