Diário de Notícias

Bruxelas e Londres dão passo decisivo em direção ao brexit

Transição. Acordo prevê que Reino Unido terá acesso ao mercado único até final de 2020. Questão da fronteira irlandesa foi adiada

- ANA MEIRELES

União Europeia e Reino Unido chegaram ontem a acordo para um período de transição de forma a evitar um brexit caótico em março de 2019. Um entendimen­to que só foi alcançado depois de Londres aceitar uma potencial solução para a fronteira entre a Irlanda do Norte e a República da Irlanda e que poderá valer críticas internas ao governo de Theresa May.

As 130 páginas do projeto de acordo ontem anunciado confirmam que o Reino Unido continuará membro não votante da União Europeia até 31 de dezembro de 2020, data em que termina o chamado período de transição. O negociador da UE para o brexit, Michel Barnier, avisou, porém, que este acordo só será vinculativ­o se Londres concordar com todo o tratado de saída até 29 de março de 2019, dia da saída oficial do Reino Unido da União Europeia.

“A transição será de duração limitada, como era desejado pelo Reino Unido e pela UE. Durante esse período, o Reino Unido não vai participar na tomada de decisões da UE, simplesmen­te porque deixará de ser um Estado membro em março de 2019. Mas conservará todos os benefícios do mercado único, da União Aduaneira e Monetária, e das políticas europeias, sendo obrigado a respeitar todas as regras comunitári­as como qualquer Estado membro”, explicou Barnier. O francês sublinhou ainda que este é “um texto jurídico conjunto que constitui, a meu ver, uma etapa decisiva”, mas deixou claro que “uma etapa decisiva é apenas uma etapa decisiva”.

David Davis, o ministro britânico para o brexit, considerou que o novo texto representa um “passo significat­ivo” para o acordo final, mostrando-se confiante de que este será apoiado pelos chefes de Estado e de governo dos 27, que vão reunir-se em Conselho Europeu, na quinta e na sexta-feira, em Bruxelas. “Temos de aproveitar o momento e prolongá-lo”, acrescento­u.

“A primeira-ministra está satisfeita por termos feito mais progressos nas negociaçõe­s com a UE e por sermos capazes de garantir às empresas e aos cidadãos o período de implementa­ção que proporcion­ará um soft brexit e nos permitirá negociar nos mesmos termos que agora até 2020”, declarou ontem um porta-voz de Theresa May. Questionad­a sobre se o Reino Unido se tinha vendido, a mesma fonte afirmou que foi uma negociação que envolveu “dar e receber de ambas as partes”.

Com o texto do projeto de acordo atrás de si – assinalado a verde (partes já acordadas), amarelo (partes em que são necessária­s clarificaç­ões) e branco (partes ainda sem acordo) –, Barnier anunciou que o Reino Unido voltou atrás na sua posição sobre os cidadãos que cheguem ao país durante o período de transição, com estes a passarem a beneficiar dos mesmos direitos e garantias daqueles que o tenham feito antes do brexit. O mesmo se aplicará aos cidadãos britânicos que cheguem ao bloco.

Foi alcançado também um entendimen­to quanto às questões financeira­s, o que dá segurança a quem gere ou beneficia de projetos da UE no período 2014-2020, defendeu Barnier. O Reino Unido poderá pagar cerca de 41 mil milhões de euros até 2064 pelo divórcio com a UE, segundo dados divulgados na semana passada pelo Gabinete de Responsabi­lidade Orçamental britânico.

Já Davis congratulo­u-se pelo facto de o Reino Unido poder negociar e assinar acordos comerciais com outros países enquanto estiver coberto pelos tratados comunitári­os durante o período de transição, acordos que só poderão entrar em vigor a partir de 2021. O britânico sublinhou ainda a possibilid­ade de Londres poder opinar, em parte, sobre a política comunitári­a, nomeadamen­te nas negociaçõe­s anuais na área das pescas, e poder recusar a implementa­ção de medidas com as quais não concordam.

A grande questão ainda por resolver é como evitar a reposição da fronteira entre a Irlanda do Norte e a República da Irlanda, sendo certo que o Reino Unido defende que um acordo de comércio livre entre Londres e Bruxelas a assinar em 2021 poderá evitar essa situação. Já Dublin insiste que o tratado do brexit tem de garantir uma alternativ­a, caso as intenções britânicas não se concretize­m.

Theresa May, que precisa dos deputados norte-irlandeses unionistas para aprovar no Parlamento a legislação sobre o brexit, tinha rejeitado há três semanas a solução de recurso apresentad­a por Bruxelas, alegando que manter a Irlanda do Norte sob as regras de comércio livre da UE iria isolar esta província de Londres.

Mas ontem David Davis teve um entendimen­to diferente. “Nós concordámo­s com a necessidad­e de incluir um texto legal que pormenoriz­e uma solução alternativ­a para a fronteira”, declarou o ministro britânico para o brexit. “Mas continua a ser nossa intenção conseguir uma parceria tão semelhante que não sejam necessária­s medidas especifica­s em relação à Irlanda do Norte”, prosseguiu.

A campanha Leave Means Leave (Sair Significa Sair) acusou o ministro de “ceder” na questão da fronteira, enquanto Nigel Farage, o ex-líder do UKIP, acusou Theresa May de “desiludir o povo outra vez”.

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David Davis, ministro britânico para o brexit, e Michel Barnier, negociador da Comissão Europeia, deram ontem conta do entendimen­to alcançado

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