Diário de Notícias

Pode-se perder um milhão de votos? Pode

- JOÃO PEDRO HENRIQUES

Em 1983 o PS venceu as eleições com aquele que foi na altura o seu melhor resultado de sempre: cerca de dois milhões de votos (2 061 309, mais precisamen­te), ou seja, 36,1% (e 101 deputados eleitos, num total de 250). Apenas dois anos depois, deu um tombo de cerca de 800 mil votos, passando para uns ridículos 20,7%, com apenas 57 deputados eleitos. Os votos que em 1985 passaram do PS para o PRD acabaram em 1987 no PSD, dando a primeira de duas maiorias absolutas a Cavaco Silva. Do desaire de 1985, o PS demoraria dez anos a recuperar.

Isto para dizer que há na história democrátic­a do país pelo menos um caso de um rombo eleitoral de enorme dimensão num dos partidos do centrão. Foi tão grande que fez pensar que a sobrevivên­cia do partido estaria em causa. O próprio PSD já oscilou entre 50,6% (quase três milhões de votos, em 1991) e quase metade disso em 2005 (28,7%, ou seja, 1,6 milhões de votos).

Por outras palavras: a ambição eleitoral desmedida que Assunção Cristas assumiu no último congresso do CDS-PP, a de pôr o seu partido à frente do PSD, podendo à primeira vista representa­r algo megalómano – neste século a menor diferença entre os dois foi de um milhão de votos, em 2009 –, pode até não ser tão desmedida assim. Como se viu, já aconteceu um grande partido perder quase um milhão de votos de uma só vez.

Vistas as coisas do ponto de vista atual, as coisas conjugam-se para que o sonho de Cristas seja legítimo. Ela e o seu partido não têm cometido erros – e fazem-no sem ceder à facilidade de se fingirem de mortos (é ver o risco que Cristas correu nas autárquica­s). Além disso, o PSD dá todos os dias passos largos em direção à irrelevânc­ia. E dá-os não só porque o novo líder parece completame­nte inoperante em termos de iniciativa política como o ambiente interno de guerra civil, o qual mostra que há todas as condições para que os “casos” (como o de Feliciano Barreiras Duarte) se sucedam ininterrup­tamente até às próximas legislativ­as.

Isto é preocupant­e? É. O país está na UE e no euro e ninguém pode verdadeira­mente dizer que há um caminho alternativ­o que não seja brutalment­e doloroso (até o BE e o PCP já deixaram de falar na saída do euro). Convém que os partidos da alternânci­a no poder sejam pilares fortes na defesa do caminho europeu. O PS e o PSD são-no. Mas o CDS é, no mínimo, ziguezague­ante (já foi eurocético, agora diz-se eurorreali­sta, mas certamente iremos reparar nas eleições europeias, com Nuno Melo à frente da lista, como voltará a ser eurocético). Um CDS maior do que o PSD representa­ria um abalo de consequênc­ias imprevisív­eis. Mas não é o CDS que tem de travar, é o PSD que tem de acelerar. Será capaz? Sinceramen­te, duvido.

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