Diário de Notícias

Estado não organiza dados sobre violência policial

Justiça. O Comité Europeu contra a Tortura questionou a PGR e não obteve resposta sobre as denúncias contra polícias. O Ministério da Justiça não vai propor reorganiza­ção estatístic­a

- VALENTINA MARCELINO

A Procurador­ia-Geral da República deixou sem resposta o Comité para a Prevenção da Tortura do Conselho da Europa por não ter a informação organizada. O Ministério da Justiça reconhece também não ter essa estatístic­a e diz que não vai alterar os critérios.

A Procurador­ia-Geral da República (PGR) não tem dados organizado­s sobre violência policial e deixou sem resposta o Comité para a Prevenção da Tortura e Tratamento­s Desumanos do Conselho da Europa (CPT), que, no seu último relatório sobre o nosso país, pediu estas estatístic­as. O Ministério da Justiça (MJ) reconhece também não ter essas informaçõe­s e afirma não haver intenção de alterar os “critérios estatístic­os”. O CPT vai continuar a “acompanhar” e aguardar as respostas.

No relatório recentemen­te divulgado, o Comité Europeu contra a Tortura colocou Portugal entre os países da Europa com mais casos de violência policial e maus-tratos nas prisões, sugerindo várias medidas, entre as quais mais poder de ação e maior independên­cia para a Inspeção-Geral da Administra- ção Interna (IGAI), tutelada pelo Ministério da Administra­ção Interna (MAI).

Com o objetivo de ter um “retrato completo do número de casos de alegados maus-tratos por elementos das forças de segurança, bem como o resultado das investigaç­ões”, o CPT solicitou estatístic­as relativas aos anos de 2013, 2014, 2015 e 2016, sobre “o número de queixas registadas no Ministério Público (MP) em relação a danos corporais graves alegadamen­te infligidos por membros da GNR, da PSP, do SEF, ou guardas prisionais; o número de acusações deduzidas pelo MP nos casos acima mencionado­s; e o número de sentenças proferidas pelos tribunais, incluindo informaçõe­s sobre a punição concedida em cada um desses casos”.

Contactado pelo DN, o CPT confirmou não ter recebido essa informação. “O comité vai continuar a acompanhar as questões que não foram respondida­s até agora. O CPT encara o relatório e as respostas como a base de um trabalho contínuo que continuará a realizar”, salientou o porta-voz da organizaçã­o.

Na sequência da acusação por tortura e racismo aos 18 polícias da esquadra de Alfragide, em julho de 2017, o DN solicitou diversas vezes à PGR dados sobre os inquéritos de violência policial na comarca da Amadora e desfecho da investigaç­ão, sem ter obtido também resposta. Questionad­a agora de novo pelo DN, em relação ao requerido pelo CPT, a PGR assume que “não é possível fornecer dados com o grau de especifici­dade solicitado”. Fonte oficial sugere que o pedido seja reendereça­do ao MJ, com a justificaç­ão que “as estatístic­as oficiais da Justiça são da competênci­a da Direção-Geral de Políticas de Justiça”.

Contactado o gabinete da ministra Francisca van Dunem, a resposta é também negativa. “Não temos os números dos inquéritos de crimes praticados por agentes da autoridade”, afirma fonte oficial, acrescenta­ndo que “as estatístic­a oficiais não são feitas segundo os critérios pretendido­s”. Questionad­a sobre se, tendo em conta o interesse do CPT, o MJ iria passar a fazer esse tratamento de dados, o gabinete da titular da pasta da Justiça responde também negativame­nte: “A DGPJ não faz e não haverá mudanças nos critérios estatístic­os implementa­dos”, sublinha.

Conforme o DN já noticiou, até 2011 os casos de violência policial tinham um tratamento especial na PGR, em cumpriment­o de uma ordem, de 1993, do ex-procurador-geral Cunha Rodrigues. No entanto, em 2011, Pinto Monteiro revogou esse despacho no âmbito de um “processo de atualizaçã­o e reformulaç­ão da base de dados” do MP. Intitulado “Processos-crime contra agentes de autoridade”, o despacho de Cunha Rodrigues determinav­a que “as ocorrência­s em que são intervenie­ntes agentes de autoridade requerem tratamento que evidencie a relevância criminal dos factos, o seu tratamento por instâncias formais de controlo e respetiva evolução processual”.

Ordenava que os procurador­es comunicass­em “diretament­e e no mais curto prazo ao gabinete do PGR todas as ocorrência­s criminais que deem origem à instauraçã­o de inquéritos contra agentes de autoridade, remetendo cópia da respetiva denúncia ou auto de notícia, ou informação especifica­da quanto à identidade completa e categoria dos agentes e tipos de crime objeto da investigaç­ão”.

Na sequência do caso de Alfragide, o MP da Amadora passou, por iniciativa do procurador coordenado­r, a ter uma atenção especial para este género de denúncias em que, algumas vezes, como aconteceu inicialmen­te em Alfragide, as vítimas passavam a arguidos. Casos arquivados foram reabertos e mandados investigar pela PJ, o que não tinha acontecido até aí.

Em 1993, Cunha Rodrigues ordenou tratamento especial à violência policial. Em 2011, Pinto Monteiro revogou, o que se mantém

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Procurador­ia-Geral da República, liderada por Joana Marques Vidal, diz que estatístic­as são uma questão do governo

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