Estado da direita (II): a guerra civil no PSD
OPSD vive a pior guerra civil desde 1978. O “neopassismo” (“passismo” sem Passos) não conseguiu encontrar um candidato seu, usou Santana Lopes como barriga de aluguer, não digeriu bem a derrota interna e entrincheirou-se no grupo parlamentar (seja porque discorda ideologicamente de Rio e acha que o ódio a António Costa é a sua imagem de marca seja porque teme ser varrido da Assembleia em 2019). Por outro lado, Rio vai acumulando problemas na sua equipa, uns porque não pode governar o PSD sem parte do aparelho (e com um aparelho cheio de mitómanos não há conversa razoável possível), outros porque gosta de dar tiros nos pés (por exemplo, escolher Elina Fraga para uma direção política e sugerir uma reforma da Justiça “a sério” são duas coisas absolutamente incompatíveis).
Há muito que defendo que o processo de “spdização” do PSD é estrutural, começou antes da liderança de Passos, foi agravado depois de 2015, dificilmente é reversível. Ao contrário de outra opinião publicada, nomeadamente nalgumas colunas do Observador, não acho que tenha começado com a eleição de Rio. Dito isto, também penso e concordo com os referidos colunistas de que o processo se vai agravar. Por três razões: não há implosão, o “neopassismo” existe e tem votos, Rio não consegue mobilizar novo eleitorado. Antes de explicar cada uma destas razões por separado, importa concluir o resultado previsível do conjunto: uma dupla derrota eleitoral em 2019 (europeias e legislativas). Dizem uns recados citados na comunicação social que Rio pensa sobreviver às eleições de 2019, reiterando que o seu objetivo são as autárquicas de 2021 e as (previsíveis) legislativas de 2023. Isso simplesmente não existe em política. Principalmente se a derrota de 2019 acontecer com resultados historicamente maus ou uma (ainda improvável) maioria absoluta do PS.
Não há implosão do PSD pelas razões que já discuti num artigo anterior. Os profissionais da política não existem fora dos partidos do sistema. A legislação parlamentar e dos partidos dificulta a vida a uma cisão de um partido do regime. A oposição interna tem mais poder enquanto for oposição interna e não um conjunto de deputados independentes sem voz no Parlamento. Consequentemente, não haverá nenhuma clarificação dentro do PSD, mas um permanente estado de sítio. Com muita troca de mimos nos meios de comunicação. E muita vitimização à mistura. Até os votos estarem contados nas eleições europeias (já em maio de 2019). O PSD parte do pior resultado da sua história, em 2014, com apenas seis eurodeputados, mas isso não inibirá a oposição interna (apesar de ser um resultado de Passos). Se for um resultado semelhante ou pior, penso que a guerra civil subirá de tom. Rumo às legislativas.
Goste-se ou não, o “neopassismo” existe. Há um eleitorado na direita que, justa ou injustamente, colocou Passos no altar, acha que António Costa é o diabo que já chegou, não digeriu bem a geringonça, desconfia de Marcelo. Como disse na semana passada, não sabemos quanto vale este eleitorado. Não vale o milhão de votos que apregoa, isso é estatisticamente evidente. Para mais, não salvou o PSD em Lisboa ou no Porto de um resultado absolutamente humilhante nas autárquicas (resultado esse que levou diretamente à demissão de Passos). Mas não deve ser subestimado como um mero movimento inorgânico das redes sociais e do Observador, como outros (incluindo o atual primeiro-ministro) insistem em acusar. Do ponto de vista ideológico, será até o movimento mais coeso e consistente da direita portuguesa do século XXI: o ódio ao PS e à esquerda facilita a coerência de uma agenda política. Não tendo nenhuma especial simpatia pelo dito movimento, como é evidente há muitos anos (creio que a sua completa cegueira emocional condenou a direita a ser oposição por muitos e longos anos), penso que é muito problemático – até disfuncional – para a direita partidária que ele não esteja representado de alguma forma. Enquanto isso acontecer, seja em confrontação interna no PSD seja usando o CDS como nova barriga de aluguer, a direita não terá condições para organizar um projeto congregador que possa alimentar qualquer esperança de ser alternativa à esquerda. Não é possível pacificar a direita sem reconhecer que uma parte do seu eleitorado se sente profundamente excluída neste momento.
E finalmente Rio. Penso que a única hipótese de ter um resultado em 2019 que possa alimentar a sua sobrevivência política seria mobilizar algum eleitorado abstencionista. Dificilmente conseguirá pescar à esquerda quando o governo é popular. À direita, enfrenta o desafio de o CDS conseguir o “voto útil” do “neopassismo” (precisamente para forçar a demissão de Rio perante uma catástrofe eleitoral). Restam os 400 mil abstencionistas que fugiram da coligação PAF em 2015. Por isso, o “banho de ética”, expressão muito infeliz e demagógica, mas entendido como um programa de regeneração partidária, poderia ser o caminho, estreito é certo, mas não impossível. Os últimos acontecimentos prejudicaram definitivamente essa agenda. E, sendo assim, não sei bem onde Rio vai encontrar novos eleitores. E, sem novos eleitores, não haverá grande surpresa em 2019.
P. S. – Por razões de natureza profissional, com novos desafios académicos no horizonte, este artigo põe fim a uma colaboração de cerca de 15 meses com o Diário de Notícias. Ao Paulo Baldaia, que me convidou para assinar uma coluna às terças-feiras, à equipa diretiva, que sempre respeitou a minha liberdade de expressão, e aos leitores que me seguiram nestes meses ficam os meus sinceros agradecimentos. Evidentemente que o debate de ideias segue.