Tiangong-1: porque caem (quase) todos os destroços espaciais no ponto Nemo
Estação espacial chinesa reentrou na atmosfera terrestre no Pacífico Sul, zona de destroços espaciais. A maior parte da estrutura ardeu na reentrada. Não há registo de, alguma vez, terem caído em Portugal restos de satélites
Afinal, a probabilidade de a estação espacial chinesa Tiangong-1 cair em Portugal seria bem menor do que aquela que foi anunciada. Quem o diz é Rui Agostinho, diretor do Observatório Astronómico de Lisboa, que garante que essa probabilidade não era de 3%, como foi avançado, mas inferior a 0,058%. Os destroços da nave acabaram, no entanto, por cair na região central do Pacífico Sul, a noroeste do Taiti, não muito longe do ponto Nemo, conhecido por ser um “cemitério” de destroços espaciais.
Diz o Comando Conjunto de Operações Espaciais do exército norte-americano que era 01.15 (hora de Lisboa) de segunda-feira quando ocorreu a reentrada na atmosfera terrestre.
“Portugal tem uma área tão pequena que era preciso muita sorte, ou melhor, muito azar, para cair cá. Já o Pacífico tem uma área tão grande que só isso aumenta em muito a probabilidade de um satélite cair lá”, explica ao DN o astrofísico David Sobral, adiantando que não tem conhecimento de algum dia terem sido encontrados restos de satélites no nosso país.
Colocada em órbita em 2011, a estação espacial chinesa, também conhecia como Palácio Celestial 1, estava desocupada desde 2013, tendo deixado de funcionar três anos depois, o que impedia que fosse comandada a partir da Terra. Depois de muita especulação em torno do local da queda, a Tiangong-1 caiu, segundo o astrónomo Jonathan McDowell, do centro de astrofísica Harvard-Smithsonian, a noroeste da ilha do Taiti. Ao entrar na atmosfera a mais de 26 mil quilómetros por hora, desintegrou-se numa “bola de fogo”. Só cerca de 10% da estrutura terá caído no Pacífico.
A estação espacial não se despenhou no ponto Nemo, conhecido como “polo da inacessibilidade do Pacífico”, mas não terá caído muito longe daquele que é o local mais distante de qualquer continente ou ilha do planeta. É uma espécie de aterro de objetos espaciais, batizado de Nemo, em homenagem a Júlio Verne. Localiza-se ao largo das costas da Antártica, da Nova Zelândia, das ilhas Pitcairn e do Chile, sendo a ilha Ducie, um atol desabitado, a mais próxima daquela área.
Entre 1971 e 2016, mais de 250 naves espaciais terminaram a sua vida no ponto Nemo, um local bastante amplo e com pouca fauna e flora, o que o torna bastante apetecível para o efeito. Mas não foi possível direcionar a Tiangong-1 para o “cemitério”.
Rui Agostinho, do Observatório Astronómico de Lisboa, explica ao DN que se perderam as telecomunicações com a estação espacial, o que impediu que a trajetória fosse controlada. A nave foi entrando numa atmosfera cada vez mais baixa, ficando totalmente descontrolada, numa espécie de queda livre em direção à Terra. “Com telecomunicações seria possível disparar microfoguetes para que caísse numa zona não habitada, por exemplo”, esclarece. A este facto juntam-se vários “fenómenos físicos”, como o atrito atmosférico, que impediram a comunidade científica de prever com exatidão onde cairia.
Portugal, mais concretamente a zona entre o Porto e o Minho, chegou a ser referenciado como um dos possíveis locais da queda. Foi anunciado que a probabilidade de a estação se despenhar no país seria de 3%. No entanto, o astrónomo Rui Agostinho garante que, segundo as informações disponibilizadas pela Agência Espacial Europeia (ESA), essa probabilidade seria inferior a 0,058%. “Não sei quem afirmou que seria 3%, mas os dados da ESA não indicavam isso”, assegura o professor da Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa.
A queda dos destroços no oceano não terá consequências para os humanos. “Seria pior se caísse num território habitado, mas a probabilidade de bater diretamente numa pessoa é baixíssima”, indica o astrónomo, ressalvando que, se atingisse uma pessoa à velocidade que cai, o objeto poderia matar. Embora existam muitos satélites em órbita, como estava a Tiangong-1, Rui Agostinho diz que são geralmente possíveis de controlar: “Quando termina a sua vida útil, atira-se o satélite contra a Terra, controlando a sua trajetória de maneira a cair algures no mar.”
As autoridades chinesas já tinham afirmado que não existiam razões para alarme, adiantando que seria um espetáculo semelhante a uma chuva de meteoros. David Sobral reforça que “é extremamente raro algo deste género cair de forma descontrolada”. Quando acontece, “a maior parte dos componentes ardem ou desintegram-se. Como a maior parte da área é oceano ou desabitada, a probabilidade de um humano ser atingido é muito, muito baixa”.
A Tiangong-1, que media dez metros e pesava 8,5 toneladas, foi substituída pela Tiangong-2, em 2016. O objetivo é testar a presença humana no espaço até 2022.
Satélites costumam ser enviados para o chamado ponto Nemo para “morrer”. A estação chinesa caiu perto, mas não exatamente aí