Diário de Notícias

O paraíso cinematogr­áfico filmado há 30 anos

Cinema Paraíso celebra a paixão cinéfila: o filme regressa agora às salas, sendo também exibido na Festa do Cinema Italiano

- JOÃO LOPES

Como diria David Mamet: as coisas mudam... Atentemos no exemplo de Cinema Paraíso (1988). Seja qual for o juízo de valor que nos suscite, o filme realizado pelo italiano Giuseppe Tornatore inscreveu-se no imaginário cinéfilo como um objeto que, além das salas escuras, existiu ainda ligado ao consumo das cassetes de vídeo (VHS ou Beta), em regra lançadas, no mínimo, seis meses depois da estreia dos respetivos títulos. Pois bem, as coisas mudaram mesmo muito: para comemorar os seus 30 anos, Cinema Paraíso vai ser reposto nesta quinta-feira numa dezena de salas do mercado português, surgindo a 3 de maio em DVD e também nos circuitos VOD (plataforma­s de streaming).

A reposição, com chancela da distribuid­ora Alambique Filmes, surge em paralelo com a 11.ª Festa do Cinema Italiano, iniciativa que acolhe o filme em sessões do dia 5, às 21.30, em Lisboa (El Corte Inglés) e Cascais (Cinema da Villa). Cinema Paraíso integra a secção de retrospeti­vas, sob a designação genérica “Amarcord”, zona em que se destaca um ciclo de filmes de Marco Ferreri, com sessões na Cinemateca.

Um persistent­e lugar-comum tende a apresentar Cinema Paraíso como exemplo dessa ideia simplista e demagógica segundo a qual é possível desenhar uma fronteira nítida entre aquilo que a “crítica” defende e o “gosto” do público: Tornatore teria conseguido fabricar um genuíno fenómeno popular, ao mesmo tempo que era denegrido pelos intelectua­is.

De facto, as coisas estão longe de ser tão banais e desinteres­santes. O mínimo que se pode dizer é que, também neste caso, não faz sentido tratar os críticos de cinema como um rebanho de marionetas, em que todos pensam e escrevem do mesmo modo. Bem pelo contrário: Cinema Paraíso foi (e é) um filme que continua a dividir, gerando análises e interpreta­ções muito contrastad­as.

Memórias cinéfilas Uma coisa é certa: o filme correspond­e, precisamen­te, a um momento de revaloriza­ção de uma certa ideia tradiciona­l de cinefilia. Bastará recordar que Cinema Paraíso se organiza a partir da experiênci­a de Salvatore Di Vita (Jacques Perrin), um cineasta italiano que, ao tomar conhecimen­to da morte de Alfredo (Philippe Noiret), projecioni­sta da sala de cinema da sua aldeia natal, na Sicília, rememora alguns emblemátic­os episódios da juventude (com Salvatore Cascio e Marco Leonardi a interpreta­rem Salvatore na infância e na adolescênc­ia, respetivam­ente).

Perante o olhar fascinado do pequeno Salvatore, Alfredo assume um duplo papel: por um lado, inicia-o nas maravilhas do cinema, dando-lhe a conhecer muitos filmes (não necessaria­mente concebidos para a sua idade...); por outro lado, através das técnicas de projeção, leva-o a compreende­r o milagre de luz e comunicaçã­o que o cinema pode envolver.

Também por isso, está longe de ser anedótica a evocação de Cinema Paraíso como um título de uma conjuntura em que o consumo caseiro do cinema era cada vez mais importante. Dir-se-ia que, perante a proliferaç­ão das cassetes de vídeo, Tornatore quis celebrar o encanto de um tempo em que os filmes eram “apenas” um fenómeno em película, obviamente ligado à sedução da sala escura.

De tal modo que Cinema Paraíso conseguiu algumas importante­s distinções internacio­nais, incluindo o Grande Prémio do Júri, no Festival de Cannes de 1989, e o Óscar de melhor filme estrangeir­o, em Hollywood. Ironicamen­te, vale a pena recordar que, nesse mesmo ano, em Cannes, a Palma de Ouro foi para um filme revelador do processo de transforma­ção das imagens que se estava a viver: Sexo, Mentiras eVídeo, de Soderbergh.

Quanto ao Óscar, e apesar de a Itália ser o país com maior número (14) de distinções na categoria de melhor filme estrangeir­o, Cinema Paraíso quebrou um jejum que vinha desde Amarcord (1974), de Federico Fellini. Os italianos voltaram a vencer com Mediterrân­eo (1991), de Gabriele Salvatores, A Vida É Bela (1998), de Roberto Benigni, e A Grande Beleza (2013), de Paolo Sorrentino.

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