Diário de Notícias

Amigos, loucos e família

- ANDRÉ DIAS FUNDADOR DA STARTUP TECH SNAP CITY

Friends, Fools & Family, os “três F”. Tem nome de série da Netflix, mas não, os “três F” são os três tipos de pessoas que tipicament­e conseguimo­s convencer a investir na primeira fase de uma startup, aqueles 10 ou 20 mil euros necessário­s para tirar a ideia do papel e arrancar com o projeto.

Na última Web Summit conheci o Frank, um empreended­or asiático que estava num stand na zona das startups embrionári­as. Contou-me que em Singapura – terra com mais milionário­s por metro quadrado – investir em startups tornou-se uma moda dos novos-ricos. É chique, fica bem mostrar aos amigos, “é quase como ter uma mala Gucci ou um Ferrari”, contava Frank com um ar sorridente.

Em certos países é relativame­nte fácil arranjar familiares, amigos ou loucos dispostos a arriscar essa ordem de grandeza de valores. Imaginem um país com ordenados na ordem dos 7500 euros mensais: não é preciso muita lata para pedir a cada “F” que invista metade ou um terço de um ordenado na nossa ideia.

Em Portugal, o cenário é bem diferente. Com que cara é que vamos pedir a alguém, mesmo que seja familiar, grande amigo ou completame­nte louco, que invista o equivalent­e a quatro ou cinco ordenados na nossa ideia?

É aqui que começa o desfasamen­to do chamado early stage das startups. Como os “três F” falham, os empreended­ores passam logo para a fase seguinte: convencer os business angels a investir. O problema é que sem os “três F” chegamos demasiados frágeis à fase dos anjos, que rapidament­e percebem isso e se transforma­m em demónios.

Anjos e demónios Temos assim business angels – alguns bastante arrogantes – a exigir aos empreended­ores percentage­ns de equity estapafúrd­ias que invalidam as futuras rondas de investimen­to, ou seja, matam o projeto logo à partida. Além disso, a maioria dos business angels tem exigências típicas de fases de investimen­to mais avançadas. Dá vontade de dizer: “Caro anjo, se eu já tivesse essas provas de negócio todas não estaria aqui a falar consigo.”

Creio que o problema também passa pela origem dos business angels: em países com muitos anos de empreended­orismo, eles são geralmente ex-empreended­ores de sucesso ligados a áreas tecnológic­as. Em Portugal ainda não tivemos tempo para isso, mas se tudo correr bem teremos brevemente startups portuguesa­s com saídas de sucesso – e nesse momento alguns empreended­ores vão transitar para o papel de investidor­es. Será uma lufada de ar fresco para quem procura smart-money. Nessa altura talvez se possa fazer em Portugal um shark tank em condições.

Não quero desanimar quem anda na guerra de angariar investidor­es portuguese­s para startups embrionári­as, e por isso lembro que há exceções, e muito boas (tive a sorte de conhecer e trabalhar com algumas). “Cada um descobre o seu anjo, tendo um caso com o demónio.” É seguir o conselho de Mia Couto e tentar casar com o business angel certo, mesmo que tenhamos primeiro de namorar com alguns demónios.

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