Marcelo elogia os lelés da cuca
Mesmo que seja só pelo seu papel de guardião de palavras perdidas, Marcelo Rebelo de Sousa merece o nosso reconhecimento. Ontem, no Colombo, durante um ato benemérito (a exposição fotográfica de um trota-mundos para angariar dinheiro para crianças com cancro), o Presidente disse do fotógrafo aventureiro: “Sonhou a loucura.” Palavra dita, Marcelo foi por ela fora: “Recebo milhares de pessoas e uma boa parte é mesmo louca, e louca no bom sentido do termo.” À palavra e afins ele usa-as amiúde. Há tempos, da sua candidatura a Belém ele disse-a “ideia maluca” e da anterior, à Câmara de Lisboa, chamou-lhe “uma coisa maluca”, e falou disso com o mesmo notório gozo com que entrou em ambas as corridas. Marcelo faz o seu elogio da loucura sem o segundo sentido de Erasmo que só escolheu o género irónico para melhor atacar os vícios da Igreja Católica. Claro que Marcelo não apouca os que sofrem de distúrbios psíquicos, como era de esperar de pessoa bem educada ou simplesmente boa. Mas Marcelo também não cala a extensão que a língua fez dos portadores de transtornos mentais para, com as mesmas palavras, assinalar gente de quem ele aprecia as extravagâncias. Ele diz que recebe muitos desvairados, exaltados, gente com pancada ou lelé da cuca – e em Marcelo isso soa a elogio sincero. E sabendo nós de tanta gente certinha que também ele recebe, a quem podíamos chamar de muita coisa, menos de destemperados ou doidivanas, ficamos imensamente gratos por ainda haver tanto maluco que o visita.