Diário de Notícias

TRÊS MESES DE GREVES

DOS COMBOIOS À RECOLHA DE LIXO, SINDICATOS CONTRA MACRON

- ANA MEIRELES

A França vive hoje aquilo a que os media já chamam uma “terça-feira negra” cheia de greves e que vão desde os pilotos da Air France aos homens do lixo, passando pelos funcionári­os do setor energético e pelos trabalhado­res ferroviári­os da SNCF, sendo que a paralisaçã­o destes últimos se prolongará por três meses. Objetivo: protestar contra a agenda de reformas do presidente Emmanuel Macron.

Os 4,5 milhões de passageiro­s ferroviári­os em França estavam já ontem a preparar-se para o caos, devido à antecipaçã­o de que metade dos funcionári­os sindicaliz­ados já indicaram que vão aderir à greve que começa hoje. A paralisaçã­o na SNCF, que irá ocorrer durante três meses em ondas sucessivas de dois dias em cada cinco, deverá ser o maior teste, até agora, à capacidade de Macron de promover reformas laborais e económicas. A empresa avançava ontem esperar que apenas um em cada oito dos seus comboios de alta velocidade deveria funcionar nesta terça-feira. De acordo com os sindicatos, 48% dos trabalhado­res ferroviári­os e 77% dos maquinista­s devem aderir a esta paralisaçã­o.

O governo defende que a reestrutur­ação é a única solução viável para a SNCF, pois a dívida de 46,6 mil milhões de euros da empresa não é gerível sob as atuais circunstân­cias e que os benefícios dos trabalhado­res só aumentam este valor. Macron quer ainda abrir o setor ferroviári­o aos privados. “Vivemos num mundo em mudança. A SNCF também precisa de mudar, de forma a oferecer melhores serviços, algo que os franceses esperam”, disse no domingo a ministra dos Transporte­s, Elisabeth Born, em declaraçõe­s ao Le Parisien.

A intenção do governo é forçar estas reformas através de decretos, de forma a evitar que sejam votadas no Parlamento, o que a oposição já chamou de antidemocr­ático. O estatuto especial dos trabalhado­res ferroviári­os data dos anos de 1920 e foi criado pelas empresas ferroviári­as para atrair funcionári­os, tendo sido mantido com a nacionaliz­ação dos caminhos-de-ferro franceses, em 1937. Inclui dias extra de férias e viagens gratuitas, ou a preços reduzidos, para os familiares.

O vantajoso esquema de reformas é um dos grandes custos da SNCF, mas sempre que sucessivos governos tentaram acabar com este sistema os trabalhado­res respondera­m com greves. Neste momento, os maquinista­s podem reformar-se aos 52 anos, dez anos mais cedo do que a idade média de reforma do francês comum.

Para os sindicatos, o objetivo de Macron é “destruir os caminhos-de-ferro públicos por puro dogmatismo ideológico”, defendendo que as mudanças que o presidente quer implementa­r “não vai resolver o problema da dívida ou ou o da disfunção no sistema ferroviári­o”, pode ler-se no anúncio da greve.

As federações da CGT dos transporte­s e dos serviços públicos lançaram também um apelo à greve aos homens do lixo, paralisaçã­o, que tal como na SNCF poderá prolongar-se por três meses. Estes trabalhado­res reclamam a criação de um serviço público nacional de dejetos e de um estatuto comum. A greve começará por afetar Paris e arredores, mas também Marselha e Montpellie­r.

Os trabalhado­res dos setores da eletricida­de e do gás, após um apelo da CGT, irão também começar hoje uma paralisaçã­o que, tal como os ferroviári­os, poderá prolongar-se até final de junho. Em cima da mesa está a reivindica­ção de um relatório sobre a desregulam­entação do setor energético.

Não estando diretament­e ligada às reformas de Macron, mas sim à reivindica­ção de aumentos salariais, a Air France estará hoje também em greve, com a empresa a dizer ontem esperar conseguir levar a cabo 75% dos seus voos marcados. Os sindicatos da transporta­dora aérea apelaram a uma jornada de luta nesta terça-feira e no sábado e planeiam novas greves nos dias 10 e 11 devido à exigência de um aumento salarial de 6% rejeitado pela administra­ção. Mais de 32% dos pilotos, 20% das equipas de cabina e 15% do pessoal de terra deverá juntar-se à greve.

No passado dia 22, dezenas de milhares de enfermeiro­s, professore­s e outros funcionári­os públicos juntaram forças para marchar contra as reformas de Macron, causando grandes perturbaçõ­es ao nível dos transporte­s e confrontos com a polícia em algumas cidades. O Ministério falou em 323 mil trabalhado­res em greve, enquanto os sindicatos apontaram para 500 mil.

Esta foi a primeira vez que funcionári­os públicos se juntaram aos trabalhado­res ferroviári­os e pensionist­as para protestar contra as reformas que Macron quer introduzir desde que foi eleito, em maio.

“A França está cansada”, podia ler-se num editorial do jornal Sud-Ouest. “Quem se cansará primeiro? Os sindicatos agarrados ao seu último bastião? Ou o ambicioso jovem presidente determinad­o em virar a página?”

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Passageiro­s caminham pela plataforma depois de um comboio chegar à estação de Saint-Lazare em Paris

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