Sérgio Sousa Pinto quer ter palavra a dizer nos votos sobre diplomacia
Parlamento. Presidente da Comissão de Negócios Estrangeiros está contra “realejo de disparates”. Embaixador turco protestou junto do socialista por votação na Assembleia da República
O Parlamento aprovou na quinta-feira passada um voto de “condenação pela invasão turca e bombardeamentos sobre as populações do território autónomo curdo de Afrin, na Síria”, o que motivou um telefonema de protesto do embaixador da Turquia em Lisboa junto do presidente da Comissão Parlamentar de Negócios Estrangeiros e Comunidades Portuguesas, Sérgio Sousa Pinto, revelou o socialista ao DN.
Nessa quinta-feira em que os deputados aprovaram aquele voto, também aprovaram um de “condenação contra o lançamento de mísseis pelo Iémen sobre a capital da Arábia Saudita” e rejeitaram dois de “condenação” pela situação dos presos políticos na Catalunha. “Um realejo de disparates”, atirou Sousa Pinto nessa sessão.
Sousa Pinto insistiu ao DN na necessidade da comissão que preside ter uma palavra. “A Comissão de Nedas gócios Estrangeiros não é muito nem pouco [ouvida]. Não tem qualquer papel de escrutínio prévio dos votos sobre política internacional que são votados à sexta-feira. Ou seja, não há nenhum esforço de articulação de posições, de ter textos tão consensuais quanto possível, de produzir textos equilibrados.”
Para o presidente da comissão há outro aspeto a ter em conta: “Numa matéria tão sensível como é a matéria diplomática e tudo o que tem que ver com as relações externas, não há nenhum esforço de racionalidade, de articulação e de debate. As coisas são entregues na Mesa da Assembleia e votadas como chegam.”
Sérgio Sousa Pinto entende que o regimento do Parlamento “estabelece que a Comissão dos Negócios Estrangeiros tem de ter um papel nisso”. Mais: para o deputado, a “qualidade dos votos” aprovados “tem refletido tragicamente a não participação” da comissão.
Por agora, esta intenção esbarra na recusa do BE, mas conta com o apoio de PSD e CDS – aliás, a intervenção de Sousa Pinto na passada quinta-feira foi aplaudida à direita, por centristas e sociais-democratas.
Em todo o caso, a vice-presidente da bancada do PSD, Rubina Berardo, entende que “a generosa proposta do presidente da comissão de Negócios Estrangeiros remete necessariamente para uma alteração regimental dos trabalhos” do Parlamento. Ao DN, Rubina Berardo defende que “cada grupo parlamentar deve usar da sua liberdade para apresentar os votos nesta matéria pesando a sua importância e implicação para a coerência da política externa do país. Também se retiram muitas ilações das leituras desses votos sobre o grau de responsabilidade institucional que cada grupo parlamentar carrega”.
Em declarações ao DN, o líder da bancada do CDS, Nuno Magalhães, alinha com Sousa Pinto: “Estamos absolutamente de acordo com as preocupações manifestadas pelo presidente da Comissão de Negócios Estrangeiros e, como no passado dissemos pelo vice-presidente Telmo Correia, que ainda assim melhorou com o apoio do presidente da Assembleia da República, [estamos] disponíveis para qualquer solução que impeça a triste figura do Parlamento português de julgar e condenar o mundo inteiro a cada sexta-feira às 12.00.”
Já fonte oficial bloquista notou ao DN que “as funções e competências comissões parlamentares estão bem definidas e não concorrem com a livre iniciativa dos grupos parlamentares”. Conclusão do BE: “Rejeitamos a ideia de retirar direito de iniciativa a deputados ou grupos parlamentares.”
O líder parlamentar bloquista, Pedro Filipe Soares, levantou-se na altura para questionar a Mesa da Assembleia sobre se o voto proposto pelo BE sobre a Catalunha tinha seguido todos os trâmites parlamentares – o que o presidente em exercício, Jorge Lacão, confirmou. E Lacão observou que a conferência de líderes seria uma sede adequada para debater o que propunha Sousa Pinto.
O deputado socialista tem sido muito crítico de propostas deste tipo de votos, como o texto aprovado na quinta-feira sobre a Turquia. Ao DN notou que “a Assembleia da República adotou um papel feito por uma organização que a União Europeia considera terrorista”, disse, referindo-se ao PKK curdo. E insistiu na necessidade de escrutínio pela comissão.
As competências da Comissão de Negócios Estrangeiros, aprovadas numa reunião de janeiro de 2016, estabelecem que os deputados devem “exercer as suas competências e controlo político” no “acompanhamento da política externa portuguesa” e “pronunciar-se sobre as questões relativas às matérias do âmbito da política externa”.
A eventual necessidade de alterar o regimento choca com a vontade do presidente do Parlamento em não mexer nesse regimento.