Zuckerberg promete mudanças significativas no dia em que se soube que a Cambridge Analytica recolheu dados de portugueses
ANA RITA GUERRA A uma semana de testemunhar perante o congresso norte-americano, Mark Zuckerberg mudou de tom e assumiu com maior clareza a sua responsabilidade pessoal pelo escândalo da Cambridge Analytica. Esta semana, o Facebook reviu em alta o número de utilizadores cujos dados pessoais foram obtidos indevidamente por esta consultora política: 87 milhões, mais 37 milhões do que o que fora contabilizado em março. Entre estes, poderá haver mais de 63 mil portugueses.
“O número de pessoas que descarregaram a aplicação thisisyourdigitallife em Portugal é de cerca de 15”, explicitou a empresa ao DN. “Até 63 080 pessoas em Portugal podem ter sido afetadas.” Isto porque, na altura em que os 15 portugueses responderam ao quiz do professor Aleksander Kogan, o Facebook permitia às aplicações como esta recolherem dados também da rede de amigos. Não é ainda possível saber se todos os utilizadores afetados são portugueses, apenas que estavam na rede de amigos daqueles que responderam ao quiz. A rede social diz que vai começar a notificar os utilizadores afetados a partir de 9 de abril.
Os dados recolhidos pela aplicação, que depois foram transferidos indevidamente para a Cambridge Analytica, eram bastante abrangentes. A plataforma permitia recolher nome, localização, endereço de e-mail, interesses, gostos, filiação política, fotos, relacionamentos e lista de amigos. Com estes indicadores, a consultora garantia poder construir perfis psicográficos rigorosos dos utilizadores, o que servia depois para os segmentar e endereçar conforme os objetivos dos clientes. No caso da campanha de Donald Trump, a ideia era identificar quais os utilizadores mais suscetíveis a certo tipo de anúncios e mensagens de campanha. Alguns responderiam melhor a ataques aos imigrantes, tendo em conta o seu perfil psicográfico, outros estariam mais recetivos a promessas de cortes de impostos, por exemplo.
No caso português, não é claro para que teriam servido estes dados, nem se a Cambridge Analytica chegou a utilizá-los no âmbito das suas operações de consultoria. Em teoria, uma campanha política (ou de outra natureza) poderia usar ferramentas deste tipo para personalizar as mensagens e ir ao encontro das convicções mais profundas dos utilizadores, algo que não é uma estratégia nova. O problema é que estes utilizadores não consentiram a partilha dos seus dados para estes fins.
Os 87 milhões representam menos de 5% dos atuais 2,13 mil milhões de utilizadores ativos do Facebook, mas na altura em que a app foi lançada e a plataforma do Facebook tinha regras menos apertadas, 2013, esta era uma porção mais significativa (a rede social atingiu 1,06 mil milhões na primavera desse ano). Estes números mostram a permissividade que a plataforma do Facebook tinha até há poucos anos e a fragilidade da sua política de proteção de dados. Tudo problemas que Mark Zuckerberg não reconheceu, ou não quis enfrentar, até ao rebentamento do escândalo, apesar de ter reformulado algumas das regras nos últimos anos.
“No final do dia, a responsabilidade é minha”, admitiu o CEO durante uma conferência telefónica
Dados pessoais de 63 mil portugueses obtidos indevidamente com jornalistas. “Eu fundei isto. Eu lidero. E eu sou responsável pelo que acontece aqui.” Zuckerberg afirmou que ninguém foi despedido por causa do escândalo e que não quer arranjar bodes expiatórios “para os erros que cometemos aqui”. Problemas legais O que é que um utilizador português que tenha sido afetado pode fazer sobre o assunto? As questões legais ainda são nebulosas e deverão arrastar-se por algum tempo, enquanto a FTC (Federal Trade Commission) e o congresso norte-americano investigam exatamente o que se passou, algo que vários países europeus também estão interessados em saber. O Facebook já enfrenta 18 processos legais, instaurados por utilizadores e investigadores, que acusam a rede social de violação de privacidade, quebra de contrato nos termos de utilização, negligência, fraude ao consumidor, concorrência ilegal, fraude relacionada com valores mobiliários e até extorsão.
Na próxima semana, a 11 de abril, Mark Zuckerberg irá ser interrogado no congresso e dessas investigações deverão sair decisões legislativas que obriguem a rede social a reformular as suas regras de privacidade. Além de arriscar multas históricas, a empresa também terá de garantir que cumpre a normativa RGPD (Regulamento Geral de Proteção de Dados) que entra em vigor na Europa a 25 de maio. Zuckerberg já se comprometeu a implementar as alterações requeridas pelo regulamento, estando ainda por perceber quando e como pretende fazê-lo.