Dona Rosinha, o que é que está a fazer com a sua vida?
Teatro. Natália Luiza leva Dona Rosinha, a Solteira ou A Linguagem das Flores, de García Lorca, ao Meridional. Uma peça “com o mundo dentro”
“Linearmente, é a história de uma menina que vai casar-se e não casa, e a história não é mais do que isto. Mas a quantidade de dimensões e de níveis que isto tem é de uma riqueza... Começa-se a abrir as caixas de Pandora e tem o mundo dentro.” No final do ensaio, já no foyer, a voz de Natália Luiza, encenadora de Dona Rosinha, a Solteira ou A Linguagem das Flores, soava ainda sobre a música que Rui Rebelo criou para a peça desde ontem em cena no Teatro Meridional, em Lisboa. Então era como se o texto de Federico García Lorca, que Natália trabalhou a partir da tradução do poeta Ruy Belo, continuasse em marcha ali. Nada de estranho, pois foi aquela mesma voz que ouvimos no espetáculo, quando o movimento das personagens é suspenso e ela pergunta: “E se de repente tudo parasse?” A questão é que o tempo não para nunca, e dona Rosinha, que conhecemos ainda menina, sabe-o bem.
“Esta peça fala sobre o que nós fazemos com a nossa vida e com o nosso tempo”, diz a encenadora e diretora artística, com Miguel Seabra, daquela casa. Ao fundo, os seus atores (são sobretudo atrizes), de Carla Chambel (a Tia) a Raquel Oliveira (Rosinha), Elsa Valentim ou Susana Madeira (a Ama), esperam-na. Era o último ensaio antes da estreia da peça que esteve já nos Recreios da Amadora. Há agitação no ar. O Teatro dos Aloés, que não obteve financiamento da Direção-Geral das Artes, coproduz o espetáculo, e endividou-se para o fazer, visto que a temporada arrancou antes de saírem os resultados ao concurso para o apoio do quadriénio 2018-2021. “Está toda a gente altamente desestabilizada. Está a ser uma semana inquietante”, diz Natália, lembrando, contudo, que quem vem ao Meridional vem para ouvir a história de Dona Rosinha: “E temos de contá-la muito bem.”
Vamos então à história. Rosinha vai casar-se com o primo, estão apaixonados, mas este tem de voltar para a terra da família. Ela fica à espera de que ele volte. Passam-se 26 anos. Rosinha não é uma rapariga, é uma senhora, o seu prazo passou. O que diz a história já uma rosa do jardim do tio da rapariga – que com a tia, “Titia”, a criou – anunciara no começo da peça. É a rosa volúvel, que dura apenas um dia; quando abre é “vermelha como o sangue, e é já branca que “principia a desfolhar-se”.
Natália Luiza olha para aquela espera como “um compromisso que não deixa de ser belo” e, por outro lado, como algo “profundamente cobarde”. E pergunta: “Eu assumo um compromisso com quem? Com o outro ou com a vida? Para mim isto é uma história sobre a espera, e sobre a responsabilidade que nós temos sobre o nosso próprio tempo.”
Trabalhar essa história com os atores – todos eles construíram uma biografia em torno da sua personagem – é “duro, porque temos de mexer em coisas que doem em todos nós. É um facto que nós aproveitamos muito mal o tempo que nos é dado”. E, todavia, ele não para. E a Ama, que ajudou a criar Rosinha, tem algo dessa marcha do tempo, que não para por nada: “O sol brilha em cada esquina”, vai dizendo, sem parar.
Lorca não pôs Rosinha (Rosita para ele) a largar o enxoval feito tecedura daqueles anos de espera como Natália fez, no final. Como se ela então acordasse. “Acho que ela vai fazer da vida um tempo novo, que vai trabalhar, tomar conta de crianças, ensinar, aprendendo – ensina-se a aprender.”