Diário de Notícias

Corrupção 15 mil pedidos de quebra de sigilo bancário

O combate aos crimes económico-financeiro­s conta com “aliados” de peso: os investigad­ores têm acesso, praticamen­te direto, a todas as contas bancárias de suspeitos. Nos últimos três anos foram autorizado­s 15 mil pedidos de levantamen­to de sigilo.

- VALENTINA MARCELINO

Nos últimos três anos, o Banco de Portugal (BdP) recebeu mais de 15 mil pedidos de informação sobre contas suspeitas, para levantamen­to de sigilo bancário. De acordo com esta entidade supervisor­a, as solicitaçõ­es foram dirigidas “por entidades oficiais”, entre as quais “outros supervisor­es financeiro­s, autoridade­s judiciária­s e administra­ção tributária”.

O BdP não quis revelar o número de pedidos em anos anteriores a 2015, que facilitari­a uma avaliação rigorosa sobre o impacto da quebra de segredo no combate aos crimes económico-financeiro­s (corrupção, branqueame­nto, tráfico de influência, fraude fiscal, peculato, entre outros), mas os investigad­ores criminais garantem que, desde uma cirúrgica alteração legislativ­a de 2010 – que passou a permitir ao Ministério Público (MP) o acesso às contas, sem ter de passar por um juiz –, a diferença é abissal.

A demonstrá-lo estão muitos dos recentes processos mediáticos, como as operações Lex, a Fizz, Labirinto (vistos gold), a Marquês, ou a Face Oculta, para cujas investigaç­ões à fiscalizaç­ão das contas do suspeitos, bem de todas as operações financeira­s, foram peças fulcrais nas acusações e condenaçõe­s já declaradas. Entre 2010 e 2016 já houve 385 condenaçõe­s.

“A velocidade hoje em dia destas investigaç­ões não tem paralelo. O folow the money faz-se à velocidade da luz”, salienta Pedro Fonseca, investigad­or há 20 anos da Unidade Nacional de Combate à Corrupção (UNCC) da PJ. Uma pequena troca de palavras num decreto-lei fez a diferença nas investigaç­ões dos crimes económico-financeiro­s. Nos meios policiais chamam-lhe a “emenda Brandão” porque resultou de uma proposta do PS, promovida pelo deputado Filipe Neto Brandão, e que levou, em 2010, a alterar uma simples alínea do Regime Geral das Instituiçõ­es de Crédito e Sociedades Financeira­s.

Até aí, o segredo bancário, para efeitos de investigaç­ões criminais, só podia ser quebrado “nos termos previstos na lei penal e do processo penal”, ou seja, com o consentime­nto de um juiz. Com a “emenda”, aprovada por todos os partidos e com a abstenção do PSD e do CDS, a alínea d) passou a ter a seguinte redação: “Às autoridade­s judiciária­s, no âmbito de um processo penal”, isto é, sempre que o MP o solicite.

Foi nessa altura também ordenado ao Banco de Portugal que criasse uma base de dados de contas existentes no sistema bancário para que todos os pedidos pudessem ali ser centraliza­dos, evitando que os investigad­ores tivessem de fazer pedidos a todos os bancos sempre que queriam ter informaçõe­s sobre as contas e transações de um suspeito. “Era um autêntico calvário, dezenas e dezenas de ofícios para os bancos a perguntar se X ou Y tinha ali conta. Depois, dezenas de respostas. Numa perspetiva otimista todo este processo significav­a uma coisa: mais de um ano depois ainda estávamos à espera”, assinala Pedro Fonseca.

Na verdade, qualquer burlão que fizesse saltar o dinheiro de conta em conta bancária, estava a salvo de investigaç­ões. A cada uma dessas movimentaç­ões, o MP requeria e ficava meses à espera. “A crescente complexida­de – e danosidade – da criminalid­ade económica e financeira exigia que a derrogação do sigilo bancário não se mantivesse como até então. Cada atraso aumentava o risco de insucesso da investigaç­ão criminal. Era um absurdo o fisco ter já poderes, em matéria tributária, que a lei negava ao MP em matéria criminal”, recorda o deputado Filipe Neto Brandão. “A celeridade e eficácia do combate à criminalid­ade económico-financeira exigia essa alteração legal. Sustentar o contrário era, creio, simplesmen­te indefensáv­el. Embora tenha passado quase despercebi­da essa alteração legal, para quem conhece os constrangi­mentos da investigaç­ão criminal, ela represento­u um passo de gigante na eficácia da repressão da criminalid­ade económica e financeira”, conclui ainda.

Entre 2010 e 2016 houve 385 condenaçõe­s por corrupção, e constituíd­os arguidos 843 suspeitos

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Operação Lex, que envolve o juiz desembarga­dor, Rui Rangel, na foto à saída do tribunal, e dirigentes desportivo­s, é dos casos em que a investigaç­ão teve de solicitar o levantamen­to do sigilo bancário

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