Juiz Moro dá até tarde de hoje para Lula se entregar
Antigo presidente tem de se apresentar às autoridades até à tarde de hoje, refere despacho surpreendentemente rápido do juiz da Operação Lava-Jato. Decisão apanhou o país de surpresa. Pena é de 12 anos e um mês
Sergio Moro decidiu mandar prender Lula da Silva menos de 24 horas depois de o Supremo Tribunal Federal (STF) ter recusado conceder o habeas corpus ao antigo presidente. Segundo o entendimento do juiz da Operação Lava-Jato, os recursos a que a defesa do antigo presidente tinha direito são uma mera aberração jurídica e por isso expediu o mandado de prisão imediatamente. A decisão apanhou Lula e os seus aliados do Partido dos Trabalhadores (PT) de surpresa: estavam reunidos na sede do Instituto Lula a discutir os próximos passos do partido, na sequência da derrota no STF da véspera.
À hora do fecho desta edição, Lula e a sua comitiva percorriam os cerca de 15 quilómetros entre o bairro do Ipiranga, em São Paulo, onde se situa o Instituto Lula – e cujo terreno será objeto de nova ação contra o antigo presidente no âmbito da Operação Lava-Jato nos próximos meses por ter sido obtido de forma ilegal através da construtora Odebrecht, segundo a acusação – e o apartamento do político em São Bernardo do Campo. Dado o horário da viagem, às 19.00 no Brasil, hora de ponta, o percurso, com motos de seguranças e de repórteres em redor, demorou muito mais do que o normal.
Moro disse ainda no seu despacho que Lula terá direito a uma sala especial na superintendência da Polícia Federal de Curitiba e que está dispensado de usar algemas no percurso até à cadeia “em qualquer hipótese”. “Relativamente ao condenado e ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, concedo-lhe, em atenção à dignidade do cargo que ocupou, a oportunidade de apresentar-se voluntariamente à Polícia Federal em Curitiba até as 17.00 do dia 6 [hoje] quando deverá ser cumprido o mandado de prisão”, escreveu o juiz.
“Esclareça-se que, em razão da dignidade do cargo ocupado, foi previamente preparada uma sala reservada, espécie de sala de estado-maior, na própria superintendência da Polícia Federal, para o início do cumprimento da pena, e na qual o ex-presidente ficará separado dos demais presos, sem qualquer risco para a integridade moral ou física”, completou.
Para justificar a prisão ainda antes de esgotados os recursos em segunda instância, Moro foi claro: “Hipotéticos embargos de declaração constituem apenas uma patologia protelatória e que deveria ser eliminada do mundo jurídico.”
Nem Lula nem o PT se tinham ainda pronunciado até ao fecho desta edição. Antes, porém, o PT havia reagido com vigor à decisão da véspera do STF. “É uma noite trágica que resultará numa prisão política”, disse a presidente do partido, Gleisi Hoffmann. E que expõe o Brasil ao mundo como “uma república das bananas”, concluiu. “Ao negar ao maior líder popular do país um direito que é de todo o cidadão, o de defender-se em liberdade até a última instância, a maioria do STF ajoelhou-se ante a pressão escandalosamente orquestrada pela Rede Globo”, defendeu ainda o PT. A guerra entre o PT e os principais grupos de comunicação do país, sobretudo o grupo Globo, é longa. Antes deste episódio, o próprio Lula dissera que até Michel Temer, atual presidente da República, foi vítima de tentativa de golpe da Globo durante o escândalo da gravação do empresário do setor das carnes Joesley Batista em maio passado. Nas eleições de 1989, um debate entre Lula e Collor de Mello em diferido foi editado pela emissora para supostamente favorecer o rival do sindicalista.
O PT pretende mesmo assim manter o antigo presidente na corrida até ao limite do possível, nem que seja na condição de preso, para depois pedir aos eleitores a transferência de votos na reta final de campanha para Fernando Haddad ou Jaques Wagner, planos alternativos do partido, ou para um candidato da mesma esfera ideológica, como Ciro Gomes, do Partido DemocráticoTrabalhista(PDT),ou Guilherme Boulos, do Partido Socialismo e Liberdade (PSOL).
Outros advogados de réus na Lava-Jato e de outras operações policiais entraram entretanto ontem com um pedido de liminar no STF para impedir prisão de condenados em segunda instância, na sequência do julgamento da véspera do habeas corpus de Lula.
O segundo classificado nas sondagens, Jair Bolsonaro, do Partido Social Liberal, publicou um vídeo nas redes sociais, com música de filme de ação como banda sonora, em que dizia que o país havia marcado “um golo contra a impunidade” mas que o inimigo não estava ainda “eliminado”.
Confrontado com a decisão, Fernando Henrique Cardoso, que antecedeu Lula na presidência e é do Partido da Social Democracia Brasileira (PSDB), tradicional rival do PT, disse apenas que “quando o STF manda a gente tem de obedecer”.
Moro diz no seu despacho que Lula da Silva terá uma sala especial na superintendência da Polícia Federal de Curitiba e que está dispensado de usar algemas “É uma noite trágica que resultará numa prisão política”, disse a presidente do partido, Gleisi Hoffmann. Até à hora do fecho desta edição, nem Lula nem o PT tinham reagido ao despacho do juiz Sergio Moro
consumo, e terminando no crescimento sustentado do PIB de um dos BRIC mais promissores à época.
“This is the most popular guy on earth, this is the guy!” (”Este é o tipo mais popular à face da terra, este é o homem!”), exclamou Barack Obama, então presidente dos Estados Unidos, ao esbarrar com o brasileiro quase em fim de mandato numa reunião de líderes na ONU.
Logo em 2011, no entanto, após 40 anos de vício em tabaco, Lula foi diagnosticado com um tumor na laringe. O tratamento de rádio e quimioterapia, sob coordenação dos médicos da elite paulistana que o ex-sindicalista passou nos últimos anos a frequentar, correu bem mas fez desaparecer por uns meses a principal imagem de marca do rosto do carismático político: as barbas. Já recuperado, Lula assistiu atónito à prisão por causa do escândalo do mensalão de José Dirceu e outros seus ex-colaboradores e amigos íntimos.
Precisou ainda, tempos depois, de começar a socorrer Dilma Rousseff, em forte queda de popularidade, sobretudo após os protestos de junho de 2013 iniciados por causa do aumento em dez centavos de uma tarifa de autocarro em São Paulo. Sem tato político, ao contrário do padrinho, para lidar com um Congresso Nacional assumidamente clientelista, errante na condução económica e sob uma conjuntura internacional negativa, Dilma acabaria destituída em 2016. E 13 anos de poder depois, o PT, dizimado entretanto nas eleições municipais daquele ano, voltava à oposição para angústia de Lula.
Em janeiro de 2017, entretanto, Marisa Letícia Lula da Silva, companheira do político desde os primórdios da sua ação sindical, em 1973, sofreu um acidente vascular cerebral, vindo a morrer no dia 3 de fevereiro. Foi a segunda viuvez da vida de Lula, que perdeu aos 25 anos a primeira mulher, Lourdes Silva, por complicações derivadas de hepatite em plena gravidez.
Seis meses após a morte de Marisa Letícia, Lula ouviu a sentença do juiz Sergio Moro no caso do apartamento tríplex no Guarujá, um dos seis processos em que é réu ou acusado na Operação Lava-Jato e outras: nove anos e seis meses de encarceramento, agravados entretanto em segunda instância para 12 anos e um mês. Agora, a qualquer instante, Moro pode decretar a prisão do velho metalúrgico nascido na miserável Caetés no sertão pernambucano que em 2010 parecia ter o mundo a seus pés. J.A.M.