Diário de Notícias

Proibidas cirurgias a bebés que nascem com os dois sexos

Alterações à lei são hoje votadas na subcomissã­o parlamenta­r. PSD analisa se vota sim ao fim das operações a bebés

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CÉU NEVES

As crianças com caracterís­ticas sexuais de ambos os sexos vão deixar de ser operadas à nascença, a não ser que exista risco para a saúde. Isto se a proposta do governo pelo “direito à autodeterm­inação” for aprovada. O primeiro passo é dado hoje na votação da subcomissã­o Cidadania e Igualdade de Género. As pessoas cujo sexo não está definido à nascença (intersexo) são o segundo grupo visado e só constam do texto governativ­o.

Quem nasce com caracterís­ticas sexuais de ambos os sexos (primárias e secundária­s) assim continuará até que “se manifeste a sua identidade de género”, refere o artigo 7.º da proposta de lei. “Salvo em situações de comprovado risco para a sua saúde”, não são permitidos “tratamento­s e intervençõ­es cirúrgicas, farmacológ­icas ou de outra natureza que impliquem modificaçõ­es ao nível do corpo ou das caracterís­ticas sexuais da pessoa menor”.

Santiago Mbanda Lima, codiretor da Associação pela Identidade (API), é o rosto da revolta de quem foi operado à nascença. “As pessoas estão a ser mutiladas e é uma mutilação que fica para o resto da vida, é irreversív­el”, denuncia. Só muito mais tarde soube que alguém privilegio­u as suas caracterís­ticas sexuais masculinas, negando-lhe essa decisão. “É uma questão de direitos humanos que está em causa. Além de que não tenho acesso aos relatórios médicos.”

Aquelas questões e os transgénic­o estão na origem da API, criada em 2015, colocando-as na agenda política. “É com grande consciênci­a que me vejo como a primeira pessoa intersexo visível em Portugal, com todo o peso que isso tem, nomeadamen­te pelas pessoas que são forçadas e empurradas para o silêncio e para o estigma que eu próprio vivi e com ainda me debato várias vezes”, escreveu Santiago em Nós, Intersexo – Novos Trilhos.

O governo decidiu juntar no mesmo diploma os aspetos jurídicos ligados aos transgéner­os e aos intersexo e que o Bloco de Esquer- da (BE) tinha preferido incluir em outro projeto de lei, sublinha a deputada Sandra Cunha.

Isabel Moreira entende que não deveria ser preciso legislar esta matéria. “Se existisse boa prática médica, não seria necessária uma lei. Se não está definido à nascença que é do género feminino ou masculino, é de uma violência atroz optar por um dos géneros”, justifica. Tendo de ser legislado, concorda com a junção dos dois temas, uma vez que a lei visa o direito à autodeterm­inação.

Mas é sobre “a proteção das caracterís­ticas sexuais da pessoa” (artigo 5.º) que praticamen­te todos os partidos poderão hoje estar de acordo. Rita Rato disse ao DN que o PCP se vai abster na generalida­de mas que vota favoravelm­ente à proibição de cirurgias à nascença. E Carlos Peixoto, do PSD, referiu que esta é uma matéria ainda em debate no partido, logo, em aberto. BE, PAN, PS e PEV votam sim.

O BE foi o primeiro partido a apresentar proposta de alteração à Lei da Identidade de Género, de 2011. E também o PAN tem um projeto de lei em votação, ambos visando apenas as mudanças de nome e de sexo no registo civil.

Hoje é a primeira votação, seguindo-se uma segunda na quarta-feira na Comissão de Direitos, Garantias e Liberdades. O documento final vai ser votado em plenário na sexta-feira, dia 13 de abril, devendo ser aprovado com 108 votos a favor e 107 contra (estes últimos das bancadas de PSD e CDS).

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Associação pela Identidade numa ação de sensibiliz­ação para o problema de quem é operado à nascença. Santiago Mbanda Lima (no centro) tem sido o rosto da revolta

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