Diário de Notícias

Novas regras agradam a diretores mas preocupam pais

- PEDRO SOUSA TAVARES

Diretores elogiam esforço para trazer mais transparên­cia às matrículas. Confap preocupada com impacto em quem recorre legitimame­nte à ajuda de familiares

A partir do próximo ano letivo, os alunos só poderão frequentar escolas da área de residência ou trabalho de encarregad­os de educação “por delegação” se partilhare­m a residência com estes, tendo de o comprovar através do registos da Autoridade Tributária. A medida, que consta do despacho de matrículas ontem publicado, integra-se num conjunto de alterações introduzid­as pelo Ministério da Educação em nome da “transparên­cia e igualdade de oportunida­des”.

Os diretores aplaudem a iniciativa. Já os representa­ntes dos pais temem que esta seja pouco eficaz a combater a fraude e acabe por penalizar quem legitimame­nte recorre à sua família alargada para o acompanham­ento dos menores.

Em causa está o alegado recurso a estes “encarregad­os de educação por delegação”, não para que substituam os pais ou os tutores legais na interação com a escola, mas para tirar partido do facto dos mesmos residirem perto de estabeleci­mentos de ensino mais requisitad­os.

A residência do aluno ou local de trabalho dos pais é o terceiro critério mais importante na definição das prioridade­s de acesso na matrícula nas escolas públicas. O primeiro é a existência de necessidad­es educativas especiais e o segundo o facto de o estudante já ter frequentad­o a escola ou agrupament­o no ano letivo anterior.

No ano passado, o alegado recurso a expediente­s duvidosos no acesso ao Agrupament­o de Escolas Filipa de Lencastre, um dos mais disputados de Lisboa, levou mesmo ao surgimento de um movimento de pais que lançaram uma petição pública intitulada: “Chega de matrículas falsas!” O caso chegou a ser investigad­o pelo Ministério Público que, no entanto, optou por arquivar o processo em setembro.

Um dos motivos para esse arquivamen­to terá sido precisamen­te a inexistênc­ia de disposiçõe­s legais que sancionass­em muitas das alegadas práticas fraudulent­as. E é nesse sentido que o ministério vem agora apertar as regras. Além da exigência da coabitação, revela o gabinete de Tiago Brandão Rodrigues numa nota à imprensa, “para impedir a eventual instrument­alização desta delegação de competênci­as como forma de perverter as prioridade­s estabeleci­das, a alteração de encarregad­o de educação no decurso do ano letivo passa a ser possível [apenas] para casos excecionai­s, devidament­e justificad­os e comprovado­s”.

Para Manuel António Pereira, presidente da Associação nacional de Diretores Escolares (ANDE), estes e outros subcritéri­os traduzem “uma tentativa de que este seja um processo de matrícula completame­nte transparen­te. Desde logo, [e despacho] tem o cuidado de claramente referir quem é o encarregad­o de educação e que condições são necessária­s para que o possa ser”, refere. Também o já noticiado favorecime­nto de alunos com apoio da ação social escolar – em casos de igualdade de circunstân­cias nas moradas – é um aspeto que considera “positivo”.

O único obstáculo que vê é do plano burocrátic­o, nomeadamen­te através da “quantidade enorme de documentos” que passam a ser exigidos no ato da matrícula. “Para as escolas do interior do país, o despacho não muda muita coisa”, diz. “Mas nos casos dos agrupament­os mais requisitad­os pode trazer alguma sobrecarga burocrátic­a.”

Filinto Lima, da Associação Nacional de Diretores de Agrupament­os e Escolas Públicas (ANDAEP), lembra que o alegado recurso a esquemas nas matrículas “era um problema isolado. Não era um problema nacional. Era um problema de algumas escolas de Lisboa e Porto”, diz. No entanto, acrescenta, com as novas regras “é evidente que vai ser mais difícil aos encarregad­os de educação violarem a lei. E era o que acontecia”, assegura, através de diversas formas, desde “prestar falsas declaraçõe­s” a “passarem as funções de encarregad­o de educação para um pai qualquer que vivia perto da escola e nem sequer conhecia o aluno”.

Jorge Ascensão, da Confederaç­ão Nacional das Associaçõe­s de pais (Confap), lembra que esta entidade “sempre disse que a questão da fraude deve ser fiscalizad­a”. No entanto, confessa maiores reservas em relação à eficácia das medidas agora tomadas. Por um lado, diz, “não sei se esta medida de ter de entregar um comprovati­vo de morada garante ou não [que não há abusos]”. Por outro, acrescenta, “provavelme­nte muito mais famílias têm apoio dos avós do que as que usam esquemas fraudulent­os”. E a preocupaçã­o da Confap é que quem atua honestamen­te seja penalizado.

“Muitas vezes as famílias dão as moradas dos pais, dos sogros, dos tios, até dos padrinhos, para os poderem ajudar e apoiar neste acompanham­ento”, lembra. “Se estes deixarem de poder ser encarregad­os de educação por não partilhare­m a casa com os alunos, avisa, “poderemos criar um problema maior do que aquele que queremos combater”. O ministério garantiu ao DN que as alterações não abrangem os pais, mesmo que separados. Mas a Confap defende que o diploma não é claro a esse respeito. Liberdade de escolha mais longe O reforço dos critérios nas matrículas de alunos acaba por tornar mais distante a visão de uma maior liberdade de escolha da escola, defendida por alguns setores da sociedade e alvo de algum impulso no anterior governo, sobretudo pelo CDS. Os pais continuam a poder apontar qualquer estabeleci­mento de ensino para candidatar­em os filhos – de um total de cinco – mas, com tantos filtros no processo, as hipóteses de conseguir a escola desejada são limitadas.

Filinto Lima considera que, idealmente, “os pais deveriam ter a hipótese de escolher a escola de acordo com o projeto educativo de que gostam mais”. Mas também admite que consegui-lo “não será um processo fácil. Terá de haver critérios para que haja de facto uma seleção natural de alunos”, diz, ressalvand­o estar a falar de seleção num sentido positivo, em que estes procuraria­m a escola mais adaptada ao seu perfil. “Estamos ainda longe de poder fazer isso”, admite.

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Os alunos que chegam ao secundário passarão não só a indicar as cinco escolas que preferem frequentar como os cursos em que mais desejam estar

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