Novas regras agradam a diretores mas preocupam pais
Diretores elogiam esforço para trazer mais transparência às matrículas. Confap preocupada com impacto em quem recorre legitimamente à ajuda de familiares
A partir do próximo ano letivo, os alunos só poderão frequentar escolas da área de residência ou trabalho de encarregados de educação “por delegação” se partilharem a residência com estes, tendo de o comprovar através do registos da Autoridade Tributária. A medida, que consta do despacho de matrículas ontem publicado, integra-se num conjunto de alterações introduzidas pelo Ministério da Educação em nome da “transparência e igualdade de oportunidades”.
Os diretores aplaudem a iniciativa. Já os representantes dos pais temem que esta seja pouco eficaz a combater a fraude e acabe por penalizar quem legitimamente recorre à sua família alargada para o acompanhamento dos menores.
Em causa está o alegado recurso a estes “encarregados de educação por delegação”, não para que substituam os pais ou os tutores legais na interação com a escola, mas para tirar partido do facto dos mesmos residirem perto de estabelecimentos de ensino mais requisitados.
A residência do aluno ou local de trabalho dos pais é o terceiro critério mais importante na definição das prioridades de acesso na matrícula nas escolas públicas. O primeiro é a existência de necessidades educativas especiais e o segundo o facto de o estudante já ter frequentado a escola ou agrupamento no ano letivo anterior.
No ano passado, o alegado recurso a expedientes duvidosos no acesso ao Agrupamento de Escolas Filipa de Lencastre, um dos mais disputados de Lisboa, levou mesmo ao surgimento de um movimento de pais que lançaram uma petição pública intitulada: “Chega de matrículas falsas!” O caso chegou a ser investigado pelo Ministério Público que, no entanto, optou por arquivar o processo em setembro.
Um dos motivos para esse arquivamento terá sido precisamente a inexistência de disposições legais que sancionassem muitas das alegadas práticas fraudulentas. E é nesse sentido que o ministério vem agora apertar as regras. Além da exigência da coabitação, revela o gabinete de Tiago Brandão Rodrigues numa nota à imprensa, “para impedir a eventual instrumentalização desta delegação de competências como forma de perverter as prioridades estabelecidas, a alteração de encarregado de educação no decurso do ano letivo passa a ser possível [apenas] para casos excecionais, devidamente justificados e comprovados”.
Para Manuel António Pereira, presidente da Associação nacional de Diretores Escolares (ANDE), estes e outros subcritérios traduzem “uma tentativa de que este seja um processo de matrícula completamente transparente. Desde logo, [e despacho] tem o cuidado de claramente referir quem é o encarregado de educação e que condições são necessárias para que o possa ser”, refere. Também o já noticiado favorecimento de alunos com apoio da ação social escolar – em casos de igualdade de circunstâncias nas moradas – é um aspeto que considera “positivo”.
O único obstáculo que vê é do plano burocrático, nomeadamente através da “quantidade enorme de documentos” que passam a ser exigidos no ato da matrícula. “Para as escolas do interior do país, o despacho não muda muita coisa”, diz. “Mas nos casos dos agrupamentos mais requisitados pode trazer alguma sobrecarga burocrática.”
Filinto Lima, da Associação Nacional de Diretores de Agrupamentos e Escolas Públicas (ANDAEP), lembra que o alegado recurso a esquemas nas matrículas “era um problema isolado. Não era um problema nacional. Era um problema de algumas escolas de Lisboa e Porto”, diz. No entanto, acrescenta, com as novas regras “é evidente que vai ser mais difícil aos encarregados de educação violarem a lei. E era o que acontecia”, assegura, através de diversas formas, desde “prestar falsas declarações” a “passarem as funções de encarregado de educação para um pai qualquer que vivia perto da escola e nem sequer conhecia o aluno”.
Jorge Ascensão, da Confederação Nacional das Associações de pais (Confap), lembra que esta entidade “sempre disse que a questão da fraude deve ser fiscalizada”. No entanto, confessa maiores reservas em relação à eficácia das medidas agora tomadas. Por um lado, diz, “não sei se esta medida de ter de entregar um comprovativo de morada garante ou não [que não há abusos]”. Por outro, acrescenta, “provavelmente muito mais famílias têm apoio dos avós do que as que usam esquemas fraudulentos”. E a preocupação da Confap é que quem atua honestamente seja penalizado.
“Muitas vezes as famílias dão as moradas dos pais, dos sogros, dos tios, até dos padrinhos, para os poderem ajudar e apoiar neste acompanhamento”, lembra. “Se estes deixarem de poder ser encarregados de educação por não partilharem a casa com os alunos, avisa, “poderemos criar um problema maior do que aquele que queremos combater”. O ministério garantiu ao DN que as alterações não abrangem os pais, mesmo que separados. Mas a Confap defende que o diploma não é claro a esse respeito. Liberdade de escolha mais longe O reforço dos critérios nas matrículas de alunos acaba por tornar mais distante a visão de uma maior liberdade de escolha da escola, defendida por alguns setores da sociedade e alvo de algum impulso no anterior governo, sobretudo pelo CDS. Os pais continuam a poder apontar qualquer estabelecimento de ensino para candidatarem os filhos – de um total de cinco – mas, com tantos filtros no processo, as hipóteses de conseguir a escola desejada são limitadas.
Filinto Lima considera que, idealmente, “os pais deveriam ter a hipótese de escolher a escola de acordo com o projeto educativo de que gostam mais”. Mas também admite que consegui-lo “não será um processo fácil. Terá de haver critérios para que haja de facto uma seleção natural de alunos”, diz, ressalvando estar a falar de seleção num sentido positivo, em que estes procurariam a escola mais adaptada ao seu perfil. “Estamos ainda longe de poder fazer isso”, admite.