Diário de Notícias

Trump junta uma crise interna real a uma potencial guerra na Síria

DESAFIOS Além da tensão com a Rússia e da eventual intervençã­o militar na Síria, presidente tem de lidar com as buscas ao escritório do seu advogado, com a investigaç­ão de Mueller e com uns republican­os desunidos em ano de intercalar­es

- Segundo o site FiveThirty­Eight, os democratas têm boas hipóteses de recuperar a Câmara dos Representa­ntes em novembro HELENA TECEDEIRO

Com o mundo concentrad­o num eventual ataque dos Estados Unidos contra a Síria – que segundo os últimos tweets do presidente pode acontecer “muito em breve ou nada em breve” –, basta uma olhadela à conta de Twitter de Donald Trump para perceber que a política externa não é a única frente de batalha do inquilino da Casa Branca. Nos 280 caracteres que a rede social põe à disposição, Trump enfurece-se contra as buscas ao escritório do seu advogado pessoal, acusa o procurador especial Robert Mueller, encarregad­o de investigar a ingerência russa nas presidenci­ais de 2016, de ser responsáve­l pelo ponto baixo nas relações entre Washington e Moscovo. E ainda ataca os democratas, enquanto elogia Paul Ryan, o presidente da Câmara dos Representa­ntes, que em ano de eleições intercalar­es anunciou não se recandidat­ar.

A linguagem usada para a crise internacio­nal não é muito diferente da que Trump usa para se referir aos problemas internos. Se num fala em resposta ao “ataque” perto de Damasco, nos outros denuncia as buscas ao escritório de Michael Cohen como “ataque ao nosso país, no verdadeiro sentido do termo”.

Na segunda-feira, o FBI fez buscas ao escritório do advogado à procura de provas sobre o pagamento de 130 mil dólares que fez a Stormy Daniel, antiga playmate e estrela porno, para que não divulgasse a sua relação passada com Trump antes das presidenci­ais de 2016. O presidente denunciou o caso como um verdadeiro assalto, “um ataque a tudo o que defendemos” e uma “caça às bruxas” por parte de Mueller. As buscas não foram ordenadas pelo procurador especial nem parecem relacionad­as com a investigaç­ão à ingerência russa, mas terão partido de indícios fornecidos pela equipa de Mueller.

Há meses que os media americanos falam na possibilid­ade de Trump afastar o procurador especial, mergulhand­o o país numa verdadeira crise constituci­onal, uma vez que, denunciam os analistas, essa decisão poderia ser vista como obstrução à justiça, levando em última instância a um pedido de destituiçã­o do presidente (o impeachmen­t de que tanto se tem falado) por parte dos democratas. Ontem, o presidente começou o dia a negar essa intenção. “Se eu quisesse demitir Robert Mueller em dezembro, como relata o falhado The NewYork Times, tê-lo-ia feito. Apenas mais notícias falsas de um jornal enviesado”, escreveu no Twitter.

A possibilid­ade de impeachmen­t parece, por enquanto, não passar de uma miragem. Até porque os republican­os têm a maioria em ambas as câmaras do Congresso e parece pouco provável que votem a favor da destituiçã­o do presidente. Mas o partido está tudo menos unido. Nos últimos dias, vários senadores, entre eles Thom Tillis e Lindsey Graham, juntaram-se aos democratas para apresentar uma proposta de lei que permita a Mueller desafiar na justiça qualquer decisão de Trump. Um projeto que poderá mesmo avançar para votação no Senado, uma vez que recebeu o apoio do presidente da comissão judicial, Chuck Grassley.

Com eleições intercalar­es marcadas para novembro – em que vão a votos a totalidade da Câmara dos Representa­ntes, um terço dos senadores e 36 governador­es dos 50 estados americanos –, os republican­os terão de lutar para manter a maioria no Congresso. Segundo o site FiveThirty­Eight, de Nate Silver, os democratas têm boas hipóteses de recuperar pelo menos a Câmara dos Representa­ntes – uma sondagem ali divulgada dá-lhes vantagem no escrutínio com 46,2%, enquanto os republican­os têm a 39,6%.

E a saída de Paul Ryan é apenas mais um sinal do mal-estar dentro do partido, inclusive em relação ao presidente. O congressis­ta do Wisconsin garante que não se recandidat­a por motivos familiares, mas a tensão com Trump não terá sido alheia à decisão.

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