Diário de Notícias

Ausência de Trump da Cimeira das Américas “é um insulto”

Presidente dos EUA cancelou ida à reunião dos chefes de Estado e governo em Lima, devido à situação na Síria. Seria a sua primeira viagem à América Latina, que tanto tem criticado

- SUSANA SALVADOR

Depois de um ano em que chamou bad hombres aos mexicanos, pôs o Haiti e El Salvador no grupo dos “países de merda”, recuou na política de abertura com Cuba, ameaçou cortar os apoios à Colômbia e ao Peru por causa do narcotráfi­co e avisou a Venezuela que não exclui “uma intervençã­o militar”, Donald Trump cancelou a sua presença na VIII Cimeira das Américas, que decorre hoje e amanhã em Lima.Éa primeira vez desde o encontro inaugural, em Miami, em 1994, que um presidente norte-americano falha a reunião dos líderes do continente.

“A ausência de Trump é, sem sombra de dúvida, uma desfeita e um insulto. Mais, é emblemátic­a da abdicação a longo prazo da tradiciona­l posição dos EUA de liderança e compromiss­o no hemisfério por parte da administra­ção Trump”, disse ao DN Ben Raderstorf, analista da Inter-American Dialog. Hoje, face ao cada vez maior distanciam­ento dos EUA,éa China que tem ganho destaque – já éo principal parceiro económico das quatro maiores economias da região eéo segundo maior investidor no continente, depois dos EUA.

A primeira viagem de Trump à região foi cancelada por causa da situação na Síria, assim como a ida a Bogotá no regresso. Em vez disso, o vice-presidente Mike Pence vai representa­r os EUA na cimeira que se realiza a cada três anos, tendo previstos encontros bilaterais com os líderes colombiano, argentino, chileno e peruano. Haverá, contudo, uma Trump na comitiva: Ivanka, a filha e conselheir­a do presidente, vai apresentar “uma nova iniciativa para impulsiona­r o empoderame­nto económico das mulheres” na região.

“É mau Trump estar a faltar. Mas tal não significa que a ida de Trump também não fosse provavelme­nte má, talvez até pior. Pelo menos, a sua cadeira vazia deixa a impressão de que o problema é Trump, não os EUA como um todo”, acrescento­u o investigad­or do think tank com sede emWashingt­on. Na opinião de Raderstorf, a ausência revela que “a atual administra­ção é uma aberração na política externa norte-americana e não necessaria­mente uma realidade nova e duradoura”.

A primeira Cimeira das Américas, organizada pelo então presidente Bill Clinton (só Cuba não foi convidada), estava centrada na ideia de criar uma zona de comércio livre em todo o continente (que nunca se concretizo­u). Hoje, a questão comercial é apenas uma das que separa Trump dos vizinhos da América Latina – numa sondagem Gallup só 16% dos latino-americanos aprovaram as suas políticas.

O presidente dos EUA insiste em construir um muro na fronteira com o México, acusando o país vizinho de nada fazer para travar a imigração e o narcotráfi­co. Além disso, recuou na política de abertura com Cuba (na última cimeira, há três anos, no Panamá, houve um histórico encontro entre o então presidente Barack Obama e o líder cubano, Raúl Castro) e, entre várias ameaças pelo continente, avisou a Venezuela de que “não exclui uma intervençã­o militar” no país.

Outro ausente da cimeira é precisamen­te o presidente venezuelan­o, Nicolás Maduro, que viu o seu convite ser retirado após adiantar as eleições – “qualquer alteração inconstitu­cional ou rutura da ordem democrátic­a de um Estado é um obstáculo insuperáve­là sua participaç­ão ”, lê-sena Declaração de Quebeque( cimeira de 2001). Inicialmen­te, Maduro dissequei riaà capital peruana“faça chuva ou faça sol”, mas, já após o cancelamen­to de Trump, voltou atrás, alegando que a cimeira “nunca” foi uma prioridade. “É uma verdadeira perda de tempo”, afirmou, não deixando contudo de criticar o homólogo e acusá-lo de “desprezar” os latino-americanos.

Apesar de Maduro não ir, a crise venezuelan­a deverá marcar a cimeira, opondo o chamado Grupo de Lima – 17 países que exigem a libertação dos presos políticos, pedem eleições livres e criticam a rutura de ordem constituci­onal – aos aliados da revolução bolivarian­a. “É pouco provável que haja resultados tangíveis sobre a Venezuela. Mas não é só isso que importa. A reunião é uma oportunida­de importante para continuar a construir consensos e estratégia­s de bastidores”, indicou Raderstorf, que está em Lima e diz que o ambiente é “realista” e “ciente dos inúmeros desafios e complicada­s dinâmicas políticas”.

São vários esses desafios, a começar pelo anfitrião e pelo tema. Pedro Pablo Kuczynski demitiu-se da presidênci­a do Peru há três semanas devido a um escândalo de corrupção – ironicamen­te, a luta contra acorrupção­éo tema central da cimeira. Depois, com várias presidenci­ais previstas para este ano (incluindo no Brasil, México ou Colômbia), haverá vários lame duck presentes, isto é, líderes que na realidade já não têm poder e cujos sucessores podem não querer seguir o mesmo caminho.

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Segurança reforçada para a VIII Cimeira das Américas, que decorre hoje e amanhã em Lima

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