Diário de Notícias

“A Madeira é a periferia mais distante do centro de Lisboa”

Os Paus tocam hoje no Capitólio com o seu novo álbum na mala. E explicam como a música que fazem é um “bicho” diferente

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MIGUEL MARUJO Com o novo disco na bagagem, Madeira, os Paus sobem hoje ao palco do renovado Capitólio, em Lisboa, depois de terem apresentad­o na passada sexta-feira o seu quarto álbum no Porto. Fábio Jevelim, Hélio Morais, Makoto Yagyu e Quim Albergaria dizem de si que são demasiado brancos para serem do sul, demasiado pretos para serem do norte, demasiado velhos para serem do outro lado e demasiado curiosos para deixarem as colunas de pé.

Com este Madeira provam-no, assumindo-se como um objeto musical com uma identidade musical cada vez mais própria e que foge a qualquer definição. Já não é apenas a formação original de duas baterias siamesas, um baixo e teclas a fazer um rock cru, visceral e físico. É também uma banda sonora de paisagens que rasgam conceitos de espaço e de formato, como logo anuncia Blusão de Ganza I, com umas teclas que são tocadas como guitarras, ritmos que bebem em muitas influência­s. “O que mais ouvimos na carrinha são hip hop, música africana (principalm­ente funaná) e às vezes um dub ou um reggae”, conta Hélio.

No Haus, o estúdio de gravação que é também a sua casa, num dia de bátegas violentas, Hélio e Fábio explicam que aquilo que fazem “torna-se um bicho diferente de todas estas referência­s” porque todos eles vêm do rock. “Uns mais do indie-rock, outros mais do hardcore, mas é uma linguagem que já faz parte de nós e misturando essa herança com o que nós ouvimos acaba por transforma­r isto noutra coisa”, explica Hélio na conversa com o DN. O que ouvem, de onde vê, ajuda a definir esta amálgama em que as palavras são, também elas, um instrument­o. “Sempre vimos a voz como um complement­o rítmico da música, é muito difícil pôr letras cantadas aqui, que não pareça um bocado azeiteiro”, admite Fábio. “Que não fique esquisito”, completa Hélio. Para Fábio, o guitarrist­as que se fez teclista nos Paus, se optarem por pôr em cada canção “uma melodia clássica, fica ridículo, bué de esquisito”. “Por isso vemo-nos sempre à rasca para pôr lá voz, levamos a voz para ser mais um instrument­o”, e ouvimos A Mutante ou L123, canções em que as vozes são disparadas como as baquetas de Hélio e Quim.

Este L123, como o nome do passe social que nos leva até à periferia de Lisboa, “quem vem dos Foros d’Amora/ leva mais até ao centro”, remete também para os sítios de onde vêm os quatro Paus e a experiênci­a deste álbum que viajou até à ilha da Madeira, uma região ultraperif­érica para a Europa, onde a banda realizou uma residência artística e gravou todos os nove filmes que acompanham cada uma das canções num videodisco. “A Madeira é a periferia mais distante do centro de Lisboa”, aponta Fábio. As periferias onde cresceram ajudam a explicar também o que fazem. “Todas essas coisas influencia­m, são zonas mais multicultu­rais, e tu cresces desde puto a ouvir vários tipos de música e isso acaba por te influencia­r”, conta.

“Em casa o que mais ouço é Beatles e não encontro nada de Beatles em Paus”, nota Hélio. “Não há guitarra, não deixamos de ser uma banda rock mas não temos guitarra, não é uma formação muito normal”,

De dois em dois anos, os Paus têm novo disco: “É o tempo certo para ficarmos fartos de tocar as músicas”

PAUS APRESENTAM MADEIRA regista. “Cá já não somos novidade, começámos em 2009, com quatro discos e dois EP já não somos novidade para ninguém.” Lá fora é diferente: “Sempre que vamos tocar, como no sábado passado em Haia, as pessoas ainda se surpreende­m com o nosso som e o nosso setup”, as duas baterias, as teclas e o baixo. Lá fora, há o entusiasmo da descoberta e quem vê os concertos “devolvem esse entusiasmo, ‘fogo, o que é isto, nunca tinha visto nada disto’.”

Como um relógio, de dois em dois anos, mais coisa menos coisa, os Paus têm um álbum novo. “É o tempo certo para ficarmos fartos de tocar aquelas músicas”, aponta Fábio. É um esforço de aprendizag­em, também para a banda. “Temos de aprender a tocar as músicas para os concertos e apercebemo-nos muitas vezes que ao vivo temos de mudar muitas coisas para que soe ao que está no disco. Pode parecer estranho mas às vezes tens de mudar a tua forma de tocar para que ao vivo consigas captar a mesma sensação que tens no disco”, diz Hélio. Hoje à noite, é tempo de descoberta para quem for ao Capitólio.

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