Diário de Notícias

José Maria Pyrrait: do Rio à Ribeira para treinar surfistas campeões Figura incontorná­vel do surf na Ericeira, o treinador fala ao DN sobre o seu percurso e faz a antevisão da liga que começa hoje

- PEDRO MIGUEL NEVES

José Maria Pyrrait é, aos 52 anos, uma das figuras mais emblemátic­as do surf nacional. Treinador de nomes como o ex-vencedor da Liga Meo, Gony Zubizarret­a, e da crónica candidata ao título nacional, Camila Kemp, entre outros, Pyrrait é uma excelente ajuda para perspetiva­r o que será a Liga em 2018.

Pyrrait nasceu em Lisboa em agosto de 1965 e a dedicação ao surf contou com um empurrão das circunstân­cias, nomeadamen­te a instabilid­ade que se seguiu à revolução do 25 de Abril: “A minha família nunca teve nada que ver com política, mas acabámos por ser uma das muitas famílias que rumaram ao Brasil naquela época. O meu pai recebeu uma boa proposta da empresa em que trabalhava e em boa hora o fez, pois fomos viver para o Rio de Janeiro durante aqueles que considero os anos de ouro da cidade.”

Aos 10 anos, em plena década de 70, o jovem José Maria deu por si a viver numa casa estrategic­amente posicionad­a entre as praias de Ipanema e de Copacabana, a “200 metros do Arpoador, onde nasceu o surf brasileiro”, recorda. E, por arrasto, o surfista José Maria Pyrrait.

“Tive a sorte de estar no Brasil quando o circuito mundial de surf dava os primeiros passos, ainda sob a égide da Internatio­nal Profession­al Surfers (IPS) e com uma etapa logo ali no Rio. Tive o imenso privilégio de acompanhar várias provas do circuito ali e isso deu-me uma bagagem imensa”, relata Pyrrait.

No regresso a Portugal, em 1982, Ipanema e Copacabana deram lugar a Campo de Ourique e o Arpoador à Caparica. “Quando voltei, quis continuar a surfar, lógico, e a Caparica era a praia mais próxima. Íamos à boleia, de autocarro, como calhava.”

Passando à frente o filme de vida de José Maria Pyrrait, que inclui o nascimento do primeiro filho aos 18 anos, um divórcio e a mudança para os Açores, onde passou alguns anos completame­nte dedicado ao surf e à caça submarina, chegamos à Ericeira, mais especifica­mente a Ribeira d’Ilhas, onde estabelece­u um bar e onde também conheceu várias gerações de surfistas nacionais.

E foi em Ribeira que, de uma forma “natural”, se tornou treinador: “Escolhi Ribeira d’Ilhas pela qualidade das ondas e qualidade de vida. Depois, os pais e os miúdos pediam-me para os ensinar a fazer surf e foi assim que as coisas foram acontecend­o. Conheci miúdos que haveriam de se tornar uma geração marcante do surf nacional, como o Edgar Nozes, o João Guedes, entre outros. E quando perdi a concessão do bar, abri uma escola. Foi o percurso natural.”

Mas mais do que ensinar miúdos a pôr-se em pé numa prancha, Pyrrait quis algo mais: “Interessei-me pela competição e comecei a treinar jovens como a Ana Sarmento, que foi a primeira, depois o Tomás Fernandes, a Camila Kemp, o Arran Strong e o meu filho, Henrique.”

Talvez o nome mais sonante da lista seja o galego radicado na Ericeira – Gony Zubizarret­a. Vencedor da Liga em 2016 e um dos mais talentosos surfistas das ondas portuguesa­s, Zubizarret­a é, hoje, mais um amigo do que outra coisa: “O Gony começou a treinar comigo quase por acaso. Já o conhecia desde os tempos em que ele era miúdo e o pai o trazia ao bar da praia, mas foi um dia em que o encontrei na praia, desconsola­do, na companhia do Nick [Uricchio, importante shaper de pranchas de nacionalid­ade norte-americana e residente na Ericeira], depois de ele ter perdido na primeira ronda de um QS Prime em Ribeira, que as coisas começaram. O Nick sugeriu que eu o treinasse, ele achou a ideia interessan­te e assim começámos, quase na brincadeir­a.” Um arranque de Liga para bravos Nos prognóstic­os para a Liga Meo 2018, que arranca hoje na Ericeira, os nomes adiantados por José Maria Pyrrait para a conquista dos títulos nacionais masculino e feminino são mais ou menos os esperados: “Além de jovens que estão a despontar, casos do Arran Strong, o Luís Perloiro, o Henrique [Pyrrait], João Moreira, Jácome Correia, Afonso Antunes ou Guilherme Ribeiro, temos os que estão noutro patamar, como o Gony Zubizarret­a, um dos mais completos surfistas a competir na Liga; o Vasco Ribeiro, que dispensa apresentaç­ões e que, se estiver inspirado, é quase imparável; o Pedro Henrique, ex-campeão nacional e um surfista com uma ‘fome’ inigualáve­l. E ainda o Eduardo Fernandes, o Miguel Blanco... e a velha guarda, como o Rúben Gonzalez ou o Tiago Pires. Porque acredito que todos ainda tremem quando entram num heat com o Tiago.”

No feminino, o destaque vai para um trio que une juventude e experiênci­a: “A Teresa Bonvalot está em grande forma e acredito que poderá até qualificar-se para o World Tour neste ano. E, é claro, a Camila Kemp e a Carol Henrique. Todas são muito jovens mas já têm muitos campeonato­s e grande experiênci­a, pelo que qualquer uma pode vencer.”

Resta a análise à outra grande protagonis­ta desta etapa: a onda de Ribeira d’Ilhas e o estado do mar. “Vai ser difícil.Vamos ter condições muito complicada­s, mar com tamanho e remadas longas. Teremos, com certeza, situações em que surfistas vão perder com uma onda de oito pontos mas sem conseguir chegar lá fora e conseguir uma segunda onda, e outros que vão ganhar com duas ondas de quatro ou cinco pontos.Vai ser uma etapa que privilegia a estratégia e a capacidade física.”

Uma Ribeira d’Ilhas exigente em que a sorte pode ajudar? Pyrrait tem uma visão muito particular a esse respeito: “Sorte? O que os meus anos no Brasil me ensinaram é que ter sorte dá muito trabalho!”

José Maria Pyrrait diz que a etapa da Ericeira da Liga Meo, que tem hoje início, vai privilegia­r a estratégia e a parte física dos surfistas

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O surfista português, agora treinador, tem uma escola de surf na Ericeira

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