O diabo não faz parte do Credo cristão – aliás, que sentido poderia ter acreditar no diabo como se diz acreditar em Deus: acreditar, fé enquanto entrega confiada (a Deus, e ao diabo também?)
mostrando que não há qualquer fundamento para a crença no demónio. Outro grande teólogo, H. Bietenhard, escreveu: “As pregações sobre o diabo e sobre o inferno, quando não fomentam a necessidade de emoções de pessoas pseudopiedosas e a excitação dos seus nervos, só servem para difundir a insegurança, a angústia e o medo.” No contexto das crenças do seu tempo, Jesus ajudou as pessoas que sofriam de todo o tipo de doenças, também das que atribuíam ao demónio e que hoje sabemos serem do foro psiquiátrico. As pessoas continuam, hoje, a pedir auxílio e, numa “coligação” de pastoral, medicina geral e psiquiatria, é obrigação de todos ajudá-las, como Jesus fez.
De qualquer forma, Jesus anunciou Deus e não Satanás. O diabo não faz parte do Credo cristão – aliás, que sentido poderia ter acreditar no diabo como se diz acreditar em Deus: acreditar, fé enquanto entrega confiada (a Deus, e ao diabo também?). O núcleo da mensagem de Jesus foi o Reino de Deus, e o Reino de Deus consiste na salvação plena e total das pessoas. Neste sentido, o diabo pode aparecer como símbolo personificado de toda a negatividade, de todo o mal que aflige a humanidade, mas a que Deus há-de pôr termo, segundo a promessa de Jesus. O diabo surge como expressão do que não é o Reino de Deus, aparece como o contrário do Reino. Precisamente para realçar mais o que constitui o centro da mensagem de Jesus: o futuro do seu Reino.
O diabo não pode ser apresentado como uma espécie de concorrente de Deus, um anti-Deus. E não tem sentido continuar a pensar e a pregar que ele se mete no corpo das pessoas, para tomar posse delas. Não há possessões demoníacas. O que há são doenças e doentes de muitas espécies e com múltiplas origens. Assim, como escreveu o filósofo da religião Manuel Fraijó, “deveriam cessar as delirantes cerimónias de exorcismos”. Por outro lado, se Jesus não pregou Satanás, mas Deus, então a fé dos cristãos dirige-se a Deus e não ao diabo, o que implica e exige, na prática, expulsar da vida pessoal e pública – “exorcizar” – tudo o que é demoníaco, diabólico, satânico, infernal. Para esta tarefa ingente não há “exorcistas” suficientes, todos temos de assumir essa missão, abandonando os demónios inexistentes e preocupando-nos com os outros, os que na realidade existem, que andam por aí à solta e provocam sofrimentos incomensuráveis, porque são contra o Reino de Deus: o orgulho, a vaidade, a ganância, a injustiça, a corrupção, a hipocrisia, a ignorância, a falta de solidariedade...