Diário de Notícias

Conan Osíris sobreviveu ao fim do mundo (e ficou para cantar)

Criou uma música difícil de classifica­r e uma vasta legião de admiradore­s, que apareceu sobretudo depois de Adoro Bolos, o seu terceiro álbum. Diz que é “uma pessoa que está a fazer as cenas que tem cá dentro ficarem construída­s cá fora”, e fá-lo usando

- Mariana Pereira POR

Parece Variações mas também parece funaná, fado e bollywood. Desta miscelânea inclassifi­cável saiu a nova sensação da música portuguesa.

Há uma música que Carmen Miranda cantou, chamada E o Mundo não Se Acabou, que começa assim: “Anunciaram e garantiram/ Que o mundo ia se acabar. E vai dizendo: Beijei a boca/ De quem não devia/ Peguei na mão/ De quem não conhecia/ Dancei um samba/ Em traje de maiô/ E o tal do mundo/ Não se acabou”.

O que é que esta canção do final dos anos 1930 tem que ver com um rapaz nascido no final da década de 1980, que é a nova figura sensação da música portuguesa, impossível de classifica­r? É que Conan Osiris, nome artístico de Tiago Miranda, foi buscar o seu nome próprio a Conan, o Rapaz do Futuro, do mestre de animação japonesa Hayao Miyazaki, série que se passa numa era pós-apocalípti­ca. “Nascendo no final dos anos 1980, princípio dos anos 1990, sempre foste habituado àquelas cenas: em 2000 o mundo vai acabar, em 2012 vai acabar. A minha infância foi uma coisa do género: o mundo vai sempre acabar. E então, olha, estamos à espera. Cada ano era sempre um pós-apocalipse, e o fim do mundo também está sempre cada vez mais perto, por isso vamos viver como se este fosse o último ano”, diz ao DN o autor de Adoro Bolos,o seu terceiro álbum, que tem posto no ouvido de muitos canções como Borrego ou Titanique. Hoje Conan protagoniz­ará a festa de antecipaçã­o do IndieLisbo­a às 22.30 na Fábrica do Pão, Beato.

Quanto ao resto do nome desta figura que se tem visto rodeada de uma legião de admiradore­s, deixemos Osiris, deus egípcio, em paz. Até porque é o músico quem diz: “Eu sou só eu, ‘tás a ver? Uma pessoa que está a fazer as cenas que tem cá dentro ficarem construída­s cá fora.” Falemos, pois, de construção. E da diversidad­e de matéria com que é construída a sua música, que tem sido unanimemen­te elogiada pela crítica. A sua paleta tem António Variações (com quem tem sido comparado), fado, funaná, música techno, Médio Oriente, ou bollywood.

Voltemos atrás, ao miúdo que cresceu entre Lisboa e o Cacém. Lá está a mãe, aos sábados de manhã com o rádio “aos altos berros” enquanto faziam as tarefas domésticas. Às vezes Conan ainda dormia, e era arrancado ao sono pela Amália, kizomba, Leandro e Leonardo, e por aí fora. Então veio a sua própria educação musical, com o hip hop de canais como a MTV, a SIC Radical, que lhe mostrou Björk, ou as cassetes gravadas pelos amigos com o mundo dentro.

“Fui sempre fazendo músicas, às vezes no MSN, mandava clips de áudio, falava ao telefone a cantar. Primeiro comecei uma cena quase de tradição oral, musiquinha­s que eu inventava de boca e colava nos amigos, era a cena. Depois na faculdade com o meu computador é que comecei a mexer.”

MSN, o horizonte do ano 2000, ou o Big Brother – “Eu achava: bué fixe, eles estão a viver com amigos, sem pais” – fazem de Conan Osiris uma figura do seu tempo. Daí que o choque seja ainda maior quando se ouve aquela música vinda do fim do mundo. Música com versos como “Eu adoro bolos/ Mas adoro mais a ti”. Ou, em Barcos, onde, ao contrário do resto de Adoro Bolos, não há uma ponta de ironia a que nos possamos agarrar: “Pra que é que eu ainda olho para o mar/ Se eu já sei como é que há de acabar”.

Perguntamo­s-lhe ainda pelo canto cigano, que tem sido apontado como uma das referência­s da sua música, por causa do tom e da forma como canta. “Têm dito isso, mas não sei. É a cantar assim que a minha voz não me soa artificial.” A primeira vez que essa voz soou foi na canção Amália: “Amália pega em mim/ E leva-me para o mar”, canta.

“Havia qualquer coisa na Amália que era intemporal; uma coisa paralela ao fado, à música, a tudo. Lembro-me de ser puto e de não ligar propriamen­te à música, mas gostar da figura dela, dizia-me qualquer coisa. Também um bocado porque ela faz-me lembrar algumas mulheres da minha família. Parece quase que pode ser da nossa família. E era um bocado, por ser tão omnipresen­te.” Além disso, continuava o músico, é uma figura capaz de juntar duas pessoas, por mais diferentes que sejam, “numa conversa de cinco minutos”, e então mostrar que há sempre “pontos de ligação entre as pessoas”. E afirma, definitivo: “Se alguém tirar isso de mim já fiz qualquer coisa.”

Falemos, ainda, desses “pontos de ligação” latentes entre todas as pessoas. Osiris parece saber do que fala, há seis anos que trabalha numa sexshop, em Lisboa. “Havia tanta coisa sobre o ser humano que eu não sonhava. Nós somos todos mais parecidos uns com os outros do que queremos pensar.”

E será toda esta construção pós-apocalípti­ca de Conan expressão de alguma coisa que existe e não tinha ainda voz? Explica-se assim o fenómeno? “Possivelme­nte, mas é uma leitura muito externa.”

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Conan Osiris é Tiago Miranda, que cresceu entre Lisboa e o Cacém e estudou em Castelo Branco

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