Diário de Notícias

No prefácio a Ricardo Araújo Pereira diz que Cavaco “não é um pregador de gala; é um pregador de combate.” Foi com o humorista (ateu) que o pastor baptista teve uma das grandes discussões sobre a existência de Deus. Nenhum dos dois “dourou a pílula”. E é

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O protestant­ismo é obcecado com a palavra e tem na palavra a sua autoridade. Quando lês o Evangelho de Marcos, o que vai ressaltar é: que pessoa é esta? Eu digo isso na introdução: se parecer que estou a ser bruto, vá ler o Evangelho e ofenda-se com Jesus, que ele é bem pior do que eu sou. Nós tomamos esse embate com o texto como uma coisa boa. A figura da luta é muito importante. A leitura é sempre uma luta com o próprio Deus e isso não é uma coisa negativa. Jacob luta com o anjo, Abraão recebe a ordem “vai e mata o teu filho”. Deus não anda a pedir coisas propriamen­te civilizada­s às pessoas a quem ama. E isso é um paradoxo. essa alegria, que é ainda mais viva nos momentos mais difíceis. Porquê a necessidad­e de dizer no livro que há pressupost­os que não são postos em causa, avisando os que possam ter problemas com isso? Acho que é mais produtivo dizer que o Jesus em que eu acredito talvez não correspond­a assim tanto ao que leva a pessoa a pegar no livro. O protestant­ismo não é muito expressivo em Portugal, a tradição religiosa não tem este lado de afirmação pela provocação. Para as pessoas se interessar­em pelo cristianis­mo tem de ser por categorias de harmonia, paz, tranquilid­ade. E Deus é tão criativo que é capaz de chamar pessoas assim. Mas não é essa a marca que eu encontro na Bíblia. Eu encontro uma provocação. O Ricardo Araújo Pereira [que escreve o prefácio] é das poucas pessoas com quem tive uma discussão séria acerca da existência de Deus. Realmente estávamos um contra o outro e não estávamos a dourar a pílula: é uma maneira de respeitar a outra pessoa. No livro é um desejo de inteireza. “A tua falta de fé é fake news”, canta em Louvação. Fenómenos como o life coaching são sintomas de uma procura de Deus ou de um pendor para a adoração? Estás a ouvir isto de um pastor, mas eu acho que sim. É inescapáve­l tentarmos tirar sentido da existência. Por exemplo, quando os filhos nascem é surpreende­nte. Para uma cultura como a nossa, que deixa de acreditar no sentido das coisas, ter filhos torna-se tão avassalado­r porque de repente há um sentido que foi ganho. Por isso é que hoje estamos tão obcecados com a parentalid­ade, que é uma espécie de conversão secular. Somos pais e agora temos de ser fiéis a esta fé de ser pais. Eu também tenho quatro filhos, sei o que isso é. Os seus filhos sabem que primeiro está Deus? Sim, são educados nisso. Uma das piores idolatrias do Ocidente é a da criança: o filho torna-se o sentido da vida. Isso torna-se uma prisão bastante inconstant­e, porque depois não existe nada mais importante para ensinar ao teu filho do que ele próprio, é uma herança teriago

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