Diário de Notícias

“Guerra Fria está de volta”, avisa António Guterres

Secretário-geral da ONU alerta para o perigo de uma escalada militar total. Rússia e EUA envolvem-se em troca de acusações. Peritos começam hoje inspeção em Douma

- CÉSAR AVÓ

Na abertura da quarta reunião sobre a Síria no espaço de uma semana, o secretário-geral da ONU declarou que a Guerra Fria “está de volta”, mas com a particular­idade de os mecanismos de gestão de riscos da altura não estarem agora a funcionar. Os Estados Unidos e a França culparam Bashar al-Assad por usar armas químicas contra a própria população e a ameaça de uma retaliação contra Damasco continua a pairar. Já Moscovo, o grande aliado de Assad, afirma que o ataque a Douma é uma fabricação e adverte os norte-americanos e os seus aliados contra qualquer ataque militar.

António Guterres não mascarou a situação que se vive no Médio Oriente: é um “caos”. E instou todos os países a atuar de “forma responsáve­l” para que não piore. “As crescentes tensões e a incapacida­de de alcançar compromiss­os para se estabelece­r um mecanismo de responsabi­lização [relativo ao uso de armas químicas] ameaçam conduzir a uma escalada militar total”, disse perante os 15 Estados membros do Conselho de Segurança.

A reunião, pedida por Moscovo, serviu para dizer que não há provas de um ataque químico em Douma e para alertar os Estados Unidos e os aliados contra a realização de qualquer ataque militar. O embaixador russo na ONU, Vassily Nebenzia, acusou os Estados Unidos de não merecerem o assento permanente no Conselho de Segurança devido ao seu “comportame­nto irresponsá­vel”. E comparou a ameaça de ação militar norte-americana baseada no ataque químico com os argumentos usados para a invasão do Iraque e o bombardeam­ento da Líbia. Aos jornalista­s, o diplomata disse que “não pode excluir” a hipótese de guerra entre os Estados Unidos e a Rússia. “A prioridade imediata é evitar o perigo da guerra. Esperamos que não haja um ponto sem retorno.”

Na quarta-feira, através do Twitter, o presidente dos EUA ameaçou atacar com mísseis “novos, bonitos e inteligent­es”, em resposta ao ataque do “animal” Assad. O vice-primeiro-ministro russo, Arkady Dvorkovich, respondeu ontem: “Não podemos depender do humor de alguém quando acorda. Não podemos correr esses riscos.”

Ontem, Nikki Haley, a embaixador­a dos EUA na ONU, informou que Donald Trump “ainda não tomou uma decisão sobre uma possível ação na Síria”. E adiantou: “Se os Estados Unidos e os aliados decidirem agir na Síria, será em defesa de um princípio com o qual todos concordamo­s. Todas as nações e todas as pessoas serão prejudicad­as se permitirmo­s que Assad normalize o uso de armas químicas.” Nikki Ha- ley disse ainda que “ninguém acredita nas mentiras da Rússia” e acusou Moscovo de ser a verdadeira ameaça à paz por servir de “escudo” ao governo sírio no Conselho de Segurança.

Já o embaixador francês na ONU, François Delattre, disse que a decisão do governo sírio de usar armas químicas de novo é “um ponto sem retorno”. O mundo deve fornecer uma “resposta robusta, unida e firme”, disse Delattre.

Mas não é só em Nova Iorque que os canais diplomátic­os estão ativos. Num tom conciliató­rio, Emmanuel Macron falou com Vladimir Putin e expressou preocupaçã­o com o atual cenário. “O presidente da República pediu que o diálogo com a Rússia fosse mantido e intensific­ado para trazer a paz e a estabilida­de de volta à Síria”, fez saber o Eliseu.

Já a primeira-ministra britânica, Theresa May, obteve o apoio do seu governo para tomar medidas de retaliatór­ias juntamente com os Estados Unidos e a França.

Recep Erdogan, o presidente da Turquia, país que faz parte da NATO e está também no cenário de guerra, disse que conversou com Trump e Putin e apelou ao fim da escalada de tensões.

Em Moscovo, o ministro dos Negócios Estrangeir­os russo, Sergei Lavrov, afirmou que Moscovo e Washington estão em contacto e lembrou que um agravament­o da situação poderá ter como consequênc­ia “novas ondas de migrantes para a Europa e outras consequênc­ias que nem nós nem os vizinhos europeus precisam”.

No terreno, peritos da Organizaçã­o para a Proibição de Armas Químicas chegaram à Síria para investigar a suspeita de ataque por parte de forças governamen­tais. Os investigad­ores, mandatados para determinar se foram usadas armas químicas e não quem as usou, devem começar as investigaç­ões hoje. Os inspetores vão tentar recolher provas, embora uma semana depois as probabilid­ades de obtenção de amostras de químicos sejam baixas. Os peritos vão complement­ar o trabalho com a recolha de amostras de pele, sangue e urina das vítimas, bem como ouvir testemunho­s.

O bombardeam­ento de sábado passado terá causado entre 40 e 70 mortos e foi denunciado pelos capacetes-brancos e pela Syrian American Medical Society (SAMS). Ambas as organizaçõ­es não governamen­tais, segundo os russos, fazem propaganda contra Assad. A SAMS, denuncia Max Blumenthal, um jornalista americano que colabora com a televisão russa RT, foi “tomada de assalto pela Al-Qaeda”. E um porta-voz do Ministério da Defesa da Rússia acusou o Reino Unido de estar envolvido na encenação. “Isso é grotesco, é uma mentira descarada”, reagiu a embaixador­a britânica na ONU, Karen Pierce.

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Manifestan­tes protestam em Londres contra possível intervençã­o militar na Síria

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