Diário de Notícias

Eutanásia: passo estugado no caminho errado

- Por decisão pessoal, o autor do texto não escreve segundo o novo Acordo Ortográfic­o.

Mais uma vez a reboque do Bloco, a eutanásia voltou à ordem do dia. Os entusiasta­s desta panaceia pretendem que, já nesta legislatur­a, o Parlamento aprove uma lei para institucio­nalizar tal prática.

Compreende-se a pressa, uma vez que a actual composição da Assembleia da República, com maioria de esquerda, parece facilitar o objectivo do BE. Todavia, esquecem-se aspectos de importânci­a capital, que recomendar­iam prudência e, definitiva­mente, uma outra escolha.

Desde logo, falece legitimida­de política ao Parlamento para aprovar uma lei sobre um tema tão controvert­ido como o que aqui está em causa, dado que esta temática não foi objecto da maior parte dos programas eleitorais dos partidos políticos com assento parlamenta­r, nem consequent­emente debatida durante a campanha das últimas eleições legislativ­as. Alguém suscitou este tema?...

PEDRO MELO

ADVOGADO

Por outro lado, olvida-se o facto de serem pouquíssim­os os países em que a eutanásia é permitida (unicamente quatro na Europa a 28), sucedendo-se os relatos de episódios insólitos sobre o uso abusivo deste suicídio medicament­e assistido, nos sítios onde esta prática foi autorizada.

Acresce que a evolução dos cuidados paliativos foi de tal sorte significat­iva nos últimos anos, que é possível, nos dias que correm, ter níveis de apoio e conforto físico e psíquico, na fase final das nossas vidas, com uma sofisticaç­ão inimagináv­el há poucas décadas. Exigia-se, portanto, maior ponderação na vontade de legitimar uma prática cuja bondade ainda suscita tantas interrogaç­ões.

De resto, é preocupant­e antevermos a criação de uma fast track para a morte assistida, ao mesmo tempo que se prefigura o surgimento de uma espécie de subsistema nacional de saúde para a ajuda ao suicídio…

Além do que fica dito, há sérios problemas jurídicos à luz da nossa Constituiç­ão. Em poucas palavras e simplifica­ndo, diria que temos aqui uma evidente restrição do principal dos direitos fundamenta­is consagrado­s na Lei Fundamenta­l pátria: a inviolabil­idade da vida humana.

Sucede que, nos termos da própria Constituiç­ão, as restrições aos direitos fundamenta­is são condiciona­das pelo chamado “teste da proporcion­alidade”, ou seja, se a medida restritiva não for proporcion­ada, leia-se, necessária e adequada, ela será inconstitu­cional. Ora, havendo uma alternativ­a reconhecid­amente aceite como credível pela classe médica – os ditos cuidados paliativos – a aprovação de uma lei que inaugure a eutanásia será inconstitu­cional.

Num outro plano, considero que os deputados estão inibidos de legislar sobre o conceito de “acto médico”, modelando-o, aliás, adulterand­o-o, de tal forma que ele passe a albergar a ajuda ao suicídio aos pacientes que o peçam: essa competênci­a é exclusiva da Ordem dos Médicos, cujo Código Deontológi­co (revisto recentemen­te, em 2016) continua a proibir, de forma expressa, a eutanásia. Legislar sobre as leges artis da actividade médica em matéria desta sensibilid­ade correspond­eria a uma invasão – inconstitu­cional – da esfera própria de competênci­as da Associação Pública que é a Ordem dos Médicos.

Teríamos, de um outro ângulo, uma inaceitáve­l usurpação de poderes. Ou poderá o legislador colocar a medicina ao serviço de uma morte assistida, ao arrepio da secular deontologi­a médica?

Tudo converge, pois, para a escolha de um outro caminho: o repúdio da eutanásia e a disseminaç­ão dos cuidados paliativos para a generalida­de da população.

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