Extrema-direita “emergente e criminosa” na mira da Judiciária
Congresso. Unidade Nacional de Contraterrorismo da PJ promete batalha sem tréguas contra todos os extremismos. Investigar e reunir provas é a chave. A unidade ajudou a Europol a desmantelar rede de financiamento do Hezbollah
Foi um dos momentos altos do congresso dos inspetores da PJ, dedicado ao terrorismo. O diretor da Unidade Nacional de Contraterrorismo (UNCT) da PJ, Luís Neves, era só o moderador de um painel mas acabou por revelar um pouco daquilo que é o trabalho “silencioso” desta unidade, que tem por principal missão a prevenção e o combate do crime violento, incluindo o associado aos extremismos radicais. “São 36 anos de história de uma unidade, numa instituição que historicamente sempre respondeu aos desafios colocados pelos extremismos. Sejam os extremismos políticos radicais de extrema-esquerda seja de direita, muito em voga nos últimos tempos, e a ameaça do jihadismo”, sublinhou na sua intervenção no congresso da Associação Sindical dos Funcionários da Carreira de Investigação Criminal (ASFIC) da PJ.
Na linha do que já tinha sido referenciado pelos serviços de informações no último relatório de segurança interna, em relação ao recrudescimento da atividade de grupos de extrema-direita no nosso país, este responsável salientou que “não é só o extremismo jihadista que está em causa. A UNCT, com colaboração de outras forças e serviços de segurança, tem atacado outras vertentes que podem vir a incendiar a nossa vivência de Estado democrático e que têm que ver com uma extrema-direita radical, emergente e criminosa”.
Questionado, à margem da conferência, sobre como iriam concretizar esta batalha, Luís Neves limitou-se a responder: “Investigando e reunindo provas, como sempre.” Neste momento, a UNCT tem duas grandes investigações em curso (publicamente conhecidas) que envolvem elementos conhecidos pelas suas ideologias neonazis. Uma mais recente, que começou em março passado, teve como “vítimas” um grupo de motards, Los Bandidos, que o ex-líder dos skinheads, Mário Machado, trouxe para o nosso país e são históricos rivais dos Hell Angels, que atacaram os primeiros num restaurante de Loures. Mário Machado, que está em liberdade condicional da condenação a uma pena de prisão por vários crimes, entre os quais de ódio racial, é também o rosto de um movimento político nacionalista designado Nova Ordem Social, um dos que as secretas estarão a monitorizar. A outra investigação nas mãos da UNCT está ligada a uma megaoperação realizada no final de 2016, com a detenção de 17 cabeças rapadas envolvidos em casos de agressões violentas e tentativa de homicídio, motivado pelo ódio racial, político e religioso, contra comunistas, negros, muçulmanos e homossexuais.
Um dos casos que fazem parte deste inquérito foi o dos incidentes de setembro de 2015, na Rua das Portas de Santo Antão, em Lisboa. Um grupo de militantes comunistas foi violentamente agredido por skinheads quando saía de um comício da CDU, no Coliseu dos Recreios. Um deles, sindicalista, perdeu a consciência, foi hospitalizado e ficou com danos cerebrais irreversíveis. O tribunal libertou todos os suspeitos com termo de identidade e residência. “O grupo não é grande, mas tem um conjunto de novos elementos”, confirmou na altura Luís Neves. Quando à saída em liberdade dos skinheads, tal não desanimou os inspetores da PJ. “O primeiro objetivo desta operação era interromper a atividade criminosa, o que foi conseguido de imediato. O segundo era recolher o máximo de material de prova para consolidar os indícios dos crimes praticados, o que também foi conseguido. O terceiro, igualmente importante, era a prevenção”, explicou ao DN fonte próxima da investigação. Europol agradece à PJ Mas as revelações relacionadas com a atividade da discreta UNCT não se ficaram por aqui. Houve mais duas, estas diretamente ligadas ao terrorismo jihadista. Uma delas veio pelo testemunho de um coordenador da UNCT, Pedro Felício, atualmente a comandar a unidade de combate ao financiamento de terrorismo da Europol. Em 2016, graças a informações recolhidas pela equipa de Luís Neves, a Europol reuniu mais provas para conseguir identificar e perseguir uma rede de financiamento do Hezbollah. “A Europol agradece à PJ este apoio, graças ao qual já foram detidas quatro pessoas e estão várias outras já referenciadas”, salientou Pedro Felício. Esta operação, que teve como nome código Cassandra, partiu de um relatório da agência norte-americana DEA e contou com a colaboração de seis outros países europeus. O financiamento do grupo xiita libanês era feito através do branqueamento de dinheiro de venda de cocaína.
O outro caso, já conhecido, mas que o diretor da UNCT confirmou de viva voz, foi o relacionado com os atentados inviabilizados em França em 2016 e a ligação aos dois cidadãos marroquinos refugiados em Portugal. Um deles é Hicham el Hanafi, atualmente preso na cadeia francesa, outro é Abdesselam Tazi , detido na prisão de Monsanto e acusado pelo Ministério Público dos crimes de adesão e financiamento de organização terrorista. “Quando as autoridades francesas começaram a investigar este grupo, detetaram uma informação objetiva e fidedigna, que a PJ tinha partilhado com a Europol, em fevereiro desse mesmo ano”, contou. Tratava-se de uma informação sobre El Hanafi, um dos detidos pelas autoridades francesas. Era um jovem que veio já radicalizado para Portugal, pela mão de Tazi, e daqui partiu para a Síria, onde recebeu treino militar com o Daesh e depois seguiu para França e se juntou ao grupo que estava a preparar os atentados. A UNCT estava a vigiá-los desde 2015 e as informações que partilhou da Europol foram determinantes para a prova da polícia francesa. “Cumprimos, para alicerçar a prova, com carácter de urgência, cartas rogatórias de vários dias, num diminuto prazo. A PJ, com o DCIAP e o Tribunal Central de Instrução Criminal, consegue responder a cartas rogatórias em 24 horas. É um trabalho silencioso, um trabalho de sofrimento, árduo”, assinalou este dirigente.