Diário de Notícias

Vem aí a Quinta Guerra Mundial?

- LEONÍDIO PAULO FERREIRA JORNALISTA

Vem aí a Terceira Guerra Mundial, grita-se demasiadas vezes, agora por causa da Síria e do possível choque entre americanos e russos, mas ainda há uns meses devido aos testes nucleares norte-coreanos. E ainda era pior durante a Guerra Fria, quando americanos e soviéticos patrocinav­am rivais em conflitos mundo fora. Vamos ter um pouco de calma e refletir: uma Guerra Mundial exige ser combatida por pelo menos duas potências em vários continente­s em simultâneo (quatro?) e envolver, mesmo que em papéis secundário­s, aliados locais. Um critério que, segundo os historiado­res, só por duas vezes foi cumprido, como bem sabe quem aprendeu que a Primeira Guerra Mundial foi travada em 1914-1918 essencialm­ente por britânicos e franceses contra os alemães (sim, também havia nos dois lados russos, austro-húngaros e turcos a combater) e que a Segunda Guerra Mundial opôs entre 1939 e 1945 britânicos, americanos e soviéticos (sim, também chineses e franceses) contra os alemães, os japoneses e os italianos.

Mas em vez de Terceira Guerra Mundial talvez se devesse antes falar na Quinta. Num artigo publicado em 2014, por ocasião do centenário da Primeira Guerra Mundial, que até começou por ser só Grande Guerra (para os britânicos e os franceses) e Guerra Mundial (para os alemães), a The

Economist desafiava a sabedoria convencion­al com o título “Why the first world war wasn’t really”, que se pode traduzir mais ou menos como “por que a Primeira Guerra Mundial não o foi realmente”. E qual era a tese da revista britânica? Que a chamada Guerra dos Sete Anos travada entre britânicos e franceses merecia sim essa designação, afinal entre 1756 e 1763 duas potências europeias combateram na América do Norte e nas Caraíbas, no litoral africano, na Índia também, além do Velho Continente. Cada lado contou com aliados entre os índios da América como entre os principado­s indianos. Portugal, tradiciona­l aliado dos britânicos, foi igualmente participan­te, sofrendo uma invasão espanhola no norte, além de ver o Brasil atacado. O grande vencedor foi o Império Britânico, com a França – apesar do fulgor napoleónic­o pelo meio – a ter de esperar mais de um século para voltar a ser uma potência global, com novas colónias.

Um artigo da BBC também de 2014 avançava com tese semelhante à da The Economist, sob o título “WW1: Was it really the first world war?”, ou seja, “Primeira Guerra Mundial: foi ela realmente a primeira guerra mundial?”. Em defesa da Guerra dos Sete Anos, o site da cadeia pública britânica salientava que esta foi mais global do que as de 1914-1918 e de 1939-1945, pois até se combateu no continente americano (o Havai, atacado pelos japoneses em 1941, tecnicamen­te faz parte da Oceânia).

Se os historiado­res aceitassem os argumentos da The Economist e da BBC, há muito, pois, que a Terceira Guerra Mundial já aconteceu, tendo terminado em 1945 com as bombas atómicas sobre o Japão. Mas as duas publicaçõe­s britânicas, se saíssem do contexto anglo-saxónico, poderiam ter recuado à passagem do século XVI para o XVII e encontrado outro conflito fortíssimo candidato a ser, realmente, a Primeira Guerra Mundial: a chamada Guerra Luso-Holandesa. Sim, leu bem. Portuguese­s e holandeses andaram à luta não por meio mundo, mas sim pelo mundo todo.

As datas que balizam o conflito são 1595-1663. Recém-independen­te da Espanha, a República das Províncias Unidas ataca o Império Português, então sob domínio dos Filipes. Primeiro é um saque ao Recife, depois outro a São Tomé, e de repente uma ofensiva global contra Brasil, Angola, Moçambique, Goa, Ceilão, Malaca, Macau e uma imensidão de ilhas das especiaria­s, a atual Indonésia. Mesmo quando Portugal restaura a independên­cia, e tem de combater na Europa contra Espanha para a garantir, os holandeses persistem na ofensiva, que ao acabar mostra um resultado de quase empate. Portugal conseguiu reconquist­ar o nordeste brasileiro e Luanda, manteve Moçambique, Goa e Macau, mas perdeu o Ceilão (hoje Sri Lanka), Malaca e quase todas as ilhas das especiaria­s, com exceção de Timor, mesmo assim repartido com os holandeses, que contavam com o apoio das tribos da metade ocidental.

No Brasil, a maioria das tribos índias combateu por Portugal. Com tantos casamentos entre os católicos portuguese­s e as indígenas (algo que os calvinista­s evitavam), foi, no fundo, uma vitória com ajuda dos nossos sogros, cunhados e primos. A batalha decisiva foi em 1649 a de Guararapes (ver pintura que está no Museu de Belas Artes do Rio de Janeiro) e cinco anos depois deste combate perto do Recife a rendição foi oficial, com os holandeses a deixar o Brasil para sempre.

Especule-se então agora, sabendo-se destas Guerra LusoHoland­esa e Guerra dos Sete Anos, que se vier aí alguma nova guerra mundial terá de ser a Quinta.

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