Diário de Notícias

Jack White. A paixão nem sempre salva a música

DISCO Ex-vocalista dos White Stripes dispara em várias direções no terceiro álbum em nome próprio, na procura de um som que seja seu. O resultado final é muito desequilib­rado

- MIGUEL MARUJO

Ao terceiro álbum em nome próprio, Jack White dispara em várias direções, procura um som que seja seu, e deixa o ouvinte à procura do que significa este Boarding House Reach. “Hear me out, it ain’t easy but I’ll try to explain”, canta-nos ele em Ice Station Zebra. “Como artista, o teu trabalho não é seguir o caminho mais fácil”, defende-se o americano. Já percebemos.

Este texto também se podia escrever com as palavras que acompanham as 13 canções do álbum, já nas lojas. Jack deixa nestes 44 minutos pistas sobre o processo de criação e sobre a sua aprendizag­em. “When I was young/ I went to an abandoned house/ In one of the rooms/ I found an old piano/I didn’t know how to play piano/ So I just fumbled across the keys/ Pressed the pedals down/ I sat there for hours/ Trying to understand how to/ Construct a melody”, conta-nos ele em Get in the Mind Shaft. Na versão vinil, este poema altera-se para um passeio à beira-rio, em que “I've been walking down by the river/ For hours/ Past sailors, that house/ Less tattoos than the average teenager”.

É um jogo que nos leva a recuperar outra das suas declaraçõe­s ao jornal britânico The Guardian, em março, na qual confessa que, se estivéssem­os em 1999 e lhe perguntass­em o que pensava da música digital, teria de dizer: “É o que todos os outros estão a fazer? Então eu não gosto. Se o mundo evoluísse para o analógico, então eu adoraria o digital.” É do contra, e é aqui que se defende. “Como artista, o teu trabalho não é seguir o caminho mais fácil. Eu quero manter-me ligado quando ouço um artista a falar: eu quero mostrar-lhes algo que mais ninguém está a fazer.”

Entre o rock que nos leva aos seus White Stripes, um inesperado rap em Ice Station Zebra, toques de country a assomarem em What’s Done Is Done, aqui e ali sons que nos transporta­m para a banda sonora de um filme blaxploita­tion, talvez realizado por Tarantino, JackWhite não está a mostrar-nos algo que ninguém está a fazer, mas que ele próprio ainda não tinha feito.

Basta ouvir o registo também declamado de Abulia and Akrasia, objeto estranho em que um homem em negação pede gentilment­e mais uma chávena de chá. “But I do it so gently/ That you cannot resent me/ For this humble request of my company/ So with time left permitting/ And while we’re still sitting/ May I please have another cup of tea?” E tudo isto antes de se atirar ao roubo de um banco em Hypermisop­honiac, em que “every sound I hear/ Is louder than the last/ Sounds like a dynamite blast/ When you flick your teeth/ I need a relief”.

Editado pela Third Man, a editora de White, Boarding House Reach dispara sobre um mundo onde gente como Trump não usa o seu próprio dinheiro, usa o dos outros. “Ele é uma piada constante”, atirou o músico ao The Guardian. “Se ele tiver perdas ou abrir bancarrota, nada o vai afetar.”

Jack queixa-se ainda em Ice Station Zebra deste mundo onde tudo “gets labeled and named/ A box, a rough definition, unavoidabl­e/ Who picked the label doesn’t want to be responsibl­e/ Truth, you’re the warden, here’s the keys to the prison/ You create your own box, you don’t have to listen/ To any of the label makers, printing your obituary”.

White recusa ser classifica­do de forma fácil. O que está feito, está feito, avisa-nos, mas o remate entre a ironia e a magia de Humoresque não esconde o desequilíb­rio do novo álbum de Jack. “Over the air, you gently float/ Into my soul, you strike a note/ Of passion with your melody.” Nem sempre a paixão salva a música.

 ??  ??

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Portugal