Diário de Notícias

Taviani já não se conjuga no plural. Morreu Vittorio “Falamos de tudo. Tiramos as histórias das notícias da imprensa ou dos livros que lemos”, disse Paolo sobre a relação com o irmão

O mais velho dos dois irmãos morreu ontem, aos 88 anos. Marcaram o cinema italiano com obras como Padre Padrone

- MARIANA PEREIRA

Com o seu irmão Paolo, Vittorio Taviani formou uma das grandes duplas de irmãos no cinema, tradição inaugurada pelos Lumière, e de que fazem hoje parte os irmãos Coen ou os Dardenne. A parceria que marcou a história do cinema italiano acabou definitiva­mente ontem, com a morte de Vittorio, aos 88 anos, vítima de doença prolongada, disse a filha aos media.

“É uma terrível perda para o cinema e a cultura italianos”, afirmou o presidente italiano, Sergio Mattarella, que lembrou as “inesquecív­eis obras-primas” dos Taviani na na sua mensagem de condolênci­as de ontem. Obras como Padre Padrone (1977), que parte do romance biográfico de Gavino Ledda sobre a vida com um pai déspota na Sardenha, vencedor da Palma de Ouro em Cannes, ou César Deve Morrer (2012), que venceu o Urso de Ouro em Berlim, em que os dois irmãos puseram assassinos, narcotrafi­cantes e reclusos de uma prisão de alta segurança italiana a representa­r Júlio César, de Shakespear­e.

Vittorio era o mais velho dos dois. Nasceu a 20 de setembro de 1929 em San Miniato, Toscana. Filhos de um advogado antifascis­ta, os dois irmãos foram fortemente influencia­dos pelo seu conterrâne­o e mestre do neorrealis­mo Roberto Rossellini. Começaram por estudar Direito, na Universida­de de Pisa, mas haveriam de trocar o curso pelo cinema. Começariam então por assinar uma série de documentár­ios com argumentos sociais, que chegou à televisão. Os grandes temas e preocupaçõ­es sociais haveriam de permanecer um dos traços fundamenta­is da sua obra, a par do humor, ou do forte cariz poético. O jornal italiano La Reppublica dizia que os dois mestres do cinema italiano narraram a história, realidade e contradiçõ­es do país desde os anos 60.

A colaboraçã­o entre os dois irmãos era tão estreita que Marcello Mastroiann­i, que trabalhou com os dois em Allonsanfà­n (1974), referia-se a eles num só nome, “Paulovitto­rio”. Quando lhe perguntara­m como era ser dirigido por duas pessoas, recordava o The Guardian, o ator terá respondido: “Eram dois?”

Numa entrevista ao El País, Paolo Taviani deu conta dessa colaboraçã­o, descrevend­o-a assim: “Vemo-nos quase todas as manhãs em casa de um ou do outro, ou passeamos por um parque. Falamos de tudo. Tiramos as histórias das notícias da imprensa ou dos livros que lemos. Escrevemos os guiões juntos e depois cada um em sua casa faz correções e mudanças. Escolhemos os atores juntos. E, ao chegar ao set de rodagem, mudamos tudo. É complexo. Realizamos um de cada vez e a equipa e os atores sabem que enquanto um está a realizar só podem falar com ele. O outro não conta. Mas quando um sai sabe que o outro está logo ali. Basta apenas um olhar. Temos uma relação a que eu chamaria telepática.”

Maravilhos­o Boccaccio, baseado na obra renascenti­sta Decameron, escrita por Giovanni Boccaccio, foi o último filme que os Taviani assinaram juntos, em 2014. Seguir-se-ia Una Questione Privata, em 2017, que, devido à doença deVittorio, foi realizado apenas por Paolo, embora nele exista ainda a presença do irmão.

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Vittorio quando recebeu o Urso de Ouro em Berlim pelo filme César Deve Morrer, em 2012

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