A crise de habitação motivada pelo aumento brutal dos preços do imobiliário está a revelar a profunda iliteracia económica e jurídica da maioria – incluindo jornalistas
registada aos inquilinos; estes, para se oporem, tinham de responder do mesmo modo, no prazo de um mês, se fosse caso disso alegando que tinham mais de 65 anos, algum grau de deficiência ou “insuficiência económica” (que a lei situa em qualquer rendimento anual bruto corrigido inferior a cinco salários mínimos, ou seja, o correspondente a 2750 euros/mês), fatores que determinam que a renda seja estipulada em função dos seus rendimentos durante um período de transição e, no caso dos inquilinos idosos, permite que os contratos não possam ter duração limitada. Mas houve inquilinos – a percentagem não é conhecida – que não responderam às cartas, ou por não terem percebido o que estava em causa ou porque os proprietários lhes propuseram uma renda mais baixa que a que resultaria da aplicação da lei, com a condição de passarem para o novo regime de arrendamento. Ao aceitarem tal, os inquilinos abdicaram do carácter vitalício do anterior contrato celebrando outro, geralmente de cinco anos. Esses cinco anos, se contados a partir da entrada em vigor da lei, estão agora a chegar ao fim, e por esse motivo se ouve falar de inquilinos muito antigos que estão a ser despejados e que se sentem “enganados”.
É certo que essas situações são dramáticas, como dramáticas são as de quem tendo contratos de arrendamento recentes os vê não ser renovados porque os proprietários, sabendo que os preços aumentaram muito, querem arrendar por muito mais, passar para alojamento local ou vender. Tanto num caso como noutro, porém, o problema não está na lei: no primeiro, tem que ver com ignorância; no segundo, decorre simplesmente do facto de se viver desde 1990, no que respeita ao arrendamento, num mercado liberalizado, o que significa que qualquer das partes pode não renovar o contrato quando este está prestes a terminar.
Assim, muito simplesmente, aquilo que parece ter apanhado toda a gente de surpresa é algo que existe há 28 anos: um mercado de arrendamento liberalizado. E muita da retórica que ataca o novo regime de arrendamento quer a reversão dessa liberalização. Quando por exemplo Rita Rato, deputada do PCP, escreve (na Visão de sexta) que é preciso “cumprir o artigo 65.º da Constituição”, que garante o direito à habitação, e portanto revogar “a lei Cristas” (de 2012), está a falar de quê? Como é que o arrendamento privado tem alguma coisa que ver com esse direito constitucional? Quer nacionalizar todas as propriedades que sirvam para habitação em Portugal? Ou só as que estão arrendadas? Ou que seja o Estado a definir os preços do arrendamento?
Era interessante que em vez de se passar a vida a pedir a revogação da lei se dissesse o que se quer. E se a primeira hipótese dispensa qualificação, a segunda não é assim tão disparatada. A existência de valores de referência para o arrendamento vigora em países de mercado livre como a Alemanha e a Holanda. Mas, para ser eficaz em Portugal, teria de se aplicar a todo o mercado imobiliário (se só o valor da renda for limitado, os proprietários podem sempre vender) e implicaria ainda limitações fortes à conversão em aluguer turístico ou outro. Não é algo que se faça em cima do joelho e, claro, não poderá ter carácter retroativo. O que significa que para muita gente não virá a tempo.