“Para os norte-coreanos jornalismo é basicamente sinónimo de propaganda”
Jean H. Lee foi chefe da delegação da agência noticiosa Associated Press na Coreia do Norte entre 2008 e 2013
O percurso de Jean H. Lee como jornalista é único. Norte-americana de etnia coreana, foi chefe da delegação da agência noticiosa Associated Press (AP) para a península da Coreia entre 2008 e 2013, tendo aberto uma delegação em Pyongyang em janeiro de 2012, pouco depois de Kim Jong-un ter sucedido ao seu pai, Kim Jong-Il, como líder do país.
“Sinto-me abençoada por ter tido esta oportunidade”, começa por dizer Lee em videoconferência perante uma audiência de dezenas de jornalistas, académicos e diplomatas reunidos no Foreign Correspondents Club de Hong Kong. Lee tornou-se a primeira jornalista norte-americana a estar verdadeiramente no terreno na Coreia do Norte, sendo a AP ainda hoje a única agência informativa ocidental com uma representação em Pyongyang.
Nas diversas visitas que fez como repórter a escolas, academias militares, unidades agrícolas, fábricas ou casas, Lee afirma que encarou sempre os norte-coreanos como pessoas normais, não obstante a estranheza face ao sistema social e político. “A minha abordagem não era de estar perante personagens de banda desenhada, mas sim pessoas que no fundo são coreanas como eu, com muitas características comuns relativamente a mim e aos coreanos do Sul, no modo de ser ou mesmo no sentido de humor, apesar das diferenças salientes.”
Sendo uma missão fascinante, comporta imensos desafios, desde logo relacionados com a distinção
entre factos e propaganda. Isso refletia-se na relação com os repórteres locais com quem a AP trabalhava. “Até podemos ter confiança pessoal neles, mas confiar na informação recolhida é outra coisa”, explica, sublinhando que “para os norte-coreanos jornalismo é basicamente sinónimo de propaganda, o que faz que tenham uma abordagem diferente da nossa na recolha de informação”.
Nas vésperas do encontro entre Kim Jong-un com o presidente sul-coreano Moon Jae-in– naquela que será a primeira cimeira intercoreana em 11 anos – Lee observa que há objetivos políticos que sobressaem, como abrir caminho para a assinatura de um tratado de paz, algo crucial uma vez que tecnicamente os dois lados da península ainda se encontram em situação de guerra dado que o conflito armado entre 1950 e 1953 terminou com uma trégua.
Já no que diz respeito à cimeira prevista com o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump – que poderá ter lugar no final de maio ou início de junho –, Lee começa por realçar os “riscos inerentes” a ter um presidente norte-americano sentado ao lado do líder da Coreia do Norte, por esta situação conferir a Kim Jong-un “a legitimidade que ele ambiciona no plano externo”. Por outro lado, internamente, o encontro terá um efeito poderoso na propaganda do regime e de elevação de Kim, que “está prestes conseguir o que o seu pai e avô nunca sequer estiveram perto de alcançar”. Sendo ainda pouco claro o que vai resultar destas cimeiras, certo é que Jean H. Lee já não vai acompanhar estes eventos históricos como repórter no terreno. Continua centrada na questão coreana, mas agora como especialista no think-tank norte-americano Wilson Center. JOSÉ CARLOS MATIAS, Plataforma Macau