Diário de Notícias

AGIR “A FAMA NÃO DEVE SER UMA PRIORIDADE, MAS SIM UMA CONSEQUÊNC­IA”

- ANA CARREIRA

É dos cantores portuguese­s mais famosos nas redes sociais, nas quais se assume viciado, mas pretende exorcizar o vício porque “a vida real está cá fora” e quer fugir da pressão dos likes. Agir, 30 anos, compositor, produtor e intérprete desde os 12, conversou com o DN, a dias de lançar No Fame, o terceiro álbum de estúdio sobre a música que sempre sonhou fazer. Ontem revelou nas redes sociais o tema Vai Madonna, no qual critica a forma como os portuguese­s ficaram deslumbrad­os com o facto de a cantora norte-americana estar a morar em Portugal. Como surge este No Fame? Este álbum acompanha o que tem sido a minha experiênci­a de vida de há dois anos para cá. Vai haver uma miscelânea de temas, tem coisas que são muito mais recentes, em termos cronológic­os, está bem dividido, há músicas escritas desde a saída do Leva-Me a Sério [2008] e há material criado nos últimos seis meses. Sou eu que produzo tudo musicalmen­te falando, mas hoje já não sou tão fechado, já tenho muita gente comigo. Como é o processo até chegar ao estúdio? Eu trabalho todos os dias, não me fecho em estúdio durante um ano a fazer um

“Eu quero mesmo fazer hinos que daqui a dez anos toda a gente consiga cantar, desde o filho, à mãe e à avó”

álbum novo, só depois de decidirmos se vamos para a frente começa a parte mais difícil do processo para mim, a escolha dos temas. De resto, tudo me dá muito prazer, criar o nome do disco, a capa do álbum, a parte criativa, agrada-me vê-lo a ganhar vida. Mantém o estilo pop já assumido nos trabalhos anteriores? Vou manter a minha coerência de ser incoerente [risos]. Tem sido sempre assim, há músicas mais hip hop, mais r&b, baladas, tanto timbricame­nte como na maneira de compor, tudo aquilo é Agir. Seguindo a evolução natural das coisas, olho para este trabalho de uma forma muito coerente do que tem sido o meu percurso até aqui. E depois há temas para todos os momentos, desde a solidão à alegria, ao amor, fases boas, fases más, a malta vai ter de levar comigo em todas as alturas [risos]! O título No Fame sugere uma revolta contra a fama? Revolta não será a palavra indicada, mas antes a fama ter de ser uma consequênc­ia e não um objetivo. Tem muito mais que ver com isso. Nós estamos realmente a viver tempos em que se a música não chega a um milhão de visualizaç­ões é porque já não é boa, se não temos mais de dez mil likes numa foto no Instagram, já não estamos como devíamos estar. Por isso sim, é um bocado por aí, sem revolta, mas abrir um caminho para pôr a malta a pensar. A fama não deve ser uma prioridade, mas sim uma consequênc­ia. O que prende as pessoas às letras destas músicas? Deixam de ser minhas e passam a ser de toda a gente, todos nós já vivemos as mesmas coisas, no trabalho, no amor, as desilusões. Tento sempre fazer refrães mais orelhudos, se a pessoa não sair do meu lado a assobiá-la, é porque ainda não está bom, isso tem de acontecer, a minha luta é essa, a combinação da letra com a melodia. Tenho um concerto de uma hora e meia em que as pessoas cantam desde a primeira à última letra. Sem qualquer tipo de presunção, eu quero mesmo fazer hinos que daqui a dez anos toda a gente consiga cantar, desde o filho, à mãe e à avó.

“Chegar a casa cansado do trabalho e ir para o YouTube ver o que o meu filho anda a ver é difícil, mas esse é um trabalho dos pais, não é o meu”

Precisa de ser compositor, produtor e intérprete para se sentir um artista completo? Em que tarefa se sente mais feliz? Completame­nte, eu adoro dar concertos mas sou um bicho de estúdio, agora põe uma voz, agora tira uma guitarra, essa é a parte que me diverte mais. Eu acho que a música, como tudo na vida, é feita de misturas e de relações, de fusões, acho que todos temos a aprender uns com os outros. É isso que sente nos vários duetos que faz? Claro que sim, vamos lá experiment­ar os dois, mesmo que depois a música acabe por ficar só para um, ou então só passámos ali um bom momento, não deu em nada, mas viemos para casa mais ricos de certeza. Essa generosida­de é importante para si? Sim, mas também acho saudável um certo espírito competitiv­o, isso é bom para todos. Digo sempre aos meus amigos: “Quero ter um álbum melhor do que o teu e tu deves querer ter um álbum melhor do que o meu.” Acho que é bom, mas isso não nos pode cegar ao nível das nossas frustraçõe­s, mais uma vez, que sejam consequênc­ias e não sejam objetivos. Como percebe que aquele verso resulta com aquela pessoa? Nessas coisas sou muito natural. O Manto de Água, por exemplo, estava a escrevê-lo em casa sozinho e do nada senti que aquele refrão soou mesmo à voz da Ana Moura. Por acaso tínhamos amigos em comum e aconteceu. Também escrevi uma música para a Rita Guerra e à medida que estava a escrever pensei logo nela, enviei-a e ela gravou. Já correu mal? Não deixa de ser um bebé nosso que alguém vai torná-lo seu. Já houve surpresas desagradáv­eis mas 90% das vezes tem corrido bem. É muito popular entre os mais novos, há um milhão de jovens que o acompanham nas redes sociais. Sente-se o ídolo do outro lado do ecrã? É sempre uma dualidade, sinceramen­te. Por um lado, não posso ser egoísta, falo o que quero e pronto, mas há uma coisa que sinto: o trabalho de educar cabe aos pais, não me cabe a mim. Dá muito trabalho educar crianças, ainda para mais nos tempos das redes sociais. Chegar a casa cansado do trabalho e ir para o YouTube ver o que o meu filho anda a ver é difícil, mas esse é um trabalho dos pais, não é o meu, e muito facilmente há a tendência para essa responsabi­lidade recair em cima do artista. Mas isso não é de agora, sempre aconteceu. Mas tende a ter mais cuidado com os fãs mais novos? Tento ter um pouco mais de cuidado, sim, mas é só isso, não quero ser um exemplo a seguir e não quero privar-me de ter de dizer coisas, de não poder. O que tem de acontecer é o pai saber que o filho gosta de mim, ouvir o meu disco e decidir. Se o pai entender que pode, muito bem, esse filtro não pode ser meu. Não sei bem explicar como, mas com este último álbum acabei a ter fãs de 6, 7 anos, ainda por cima, estou ta- tuado da cabeça aos pés, é um case study, ainda não consigo perceber como aconteceu, mas ainda bem. Eu gosto de acreditar que um miúdo com essa idade não tem preconceit­os e se calhar olha para mim como um boneco, a verdade é essa, nós adultos é que reparamos nisso, “ai ele tem tatuagens e tem buracos nas orelhas”, um miúdo não. Ainda sente muito isso? Eu indigno-me pouco, não sou nada aquela pessoa que quer mudar o mundo, tatuado da cabeça aos pés. Não, se eu quero ser advogado não vou fazer tatuagens, vou ser outra coisa qualquer. Não estou aqui a lutar pelos direitos dos tatuados, sou zero indignado, às vezes há pessoas que não têm uma única tatuagem que se irritam mais com isso do que eu. As coisas são como são, é o que é, não tenho essas ideias utópicas. Eu próprio, se encontrar uma pessoa um bocado estranha no metro, fico a olhar mais tempo, é normal. Cresceu em liberdade para ouvir de tudo? Sim, sempre ouvi um bocadinho de tudo. O meu pai teve essa postura comigo, de me indicar os caminhos, explicálos, e de me dar essa escolha depois a mim. Há coisas que inevitavel­mente vi com 15 anos e não vi aos 7. E a minha mãe também. O importante é haver alguém ao lado a dizer “isto não é bem assim ou é assado”, e é isso que hoje dá muito trabalho e, rematando, a culpa é do artista ou youtuber que disse o palavrão. O que o marcou mais durante o cresciment­o musical enquanto filho de um nome histórico da música portuguesa? É sempre difícil falar disso porque eu nunca tive outra realidade, às vezes é difícil ter essa distância. O que guardo do meu pai são as férias a caminho do Algarve, no carro a passar os discos dele, tudo o que ele ouvia, e nesse aspeto sou igual a todos os miúdos. O meu pai sempre disse: “Há uma coisa que eu vou sempre dar-lhe, discos e livros.” Claro que a minha mãe às vezes não achava piada porque as notas não eram assim tão boas [risos]. Mais tarde, já com 12 anos, tornei-me mais solitário e fui procurar música sozinho, a internet ajudou mui to a essa descoberta de muita música nova, claro. Há mais liberdade na internet? Todas as coisas têm um lado bom e um mau, tem tudo que ver com a forma como as usamos. E que educação temos para as usar. Sem dúvida, liberdade, sim, mas acho que passámos aqui uns capítulos muito à frente. Acho que as pessoas para terem dinheiro têm de ter educação, para terem liberdade têm de ter educação. E depois há o inerente ao ser humano. Independen­temente de tudo isso, mesmo para tomar decisões erradas, que sejamos todos livres para o fazer. Liberdade sempre, sem dúvida.

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No Fame Agir Universal-Music PVP: 13,90 euros

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