Diário de Notícias

#Cuéntalo. Movimentos sociais ajudam a denunciar violações

O medo e a vergonha fazem que muitas vítimas de agressões sexuais se mantenham em silêncio após os crimes. Especialis­tas acreditam que, tal como em Espanha, muitos casos ficam por denunciar em Portugal

- JOANA CAPUCHO

UMAR considera que o país deve refletir sobre a necessidad­e de tornar a violação um crime público, o que teria um efeito dissuasor

“Um professor violou-me durante dois anos”; “Um tipo drogou-me, colocou algo na minha bebida quando eu era adolescent­e e aproveitou-se de mim no meio da rua”. Dois exemplos entre centenas de histórias de abusos e agressões sexuais, relatadas nos últimos dias, no Twitter, com a hashtag #Cuéntalo. Um movimento que surgiu no âmbito do polémico caso La Manada e que fez que muitas mulheres quebrassem o silêncio em Espanha. Ao DN, duas especialis­tas dizem que os crimes sexuais estão entre os que têm maior cifra negra, também em Portugal, e que estes movimentos ajudam a “desocultar” violações.

“Com a revelação destes casos, é muito vulgar as pessoas perderem o medo e a vergonha e partilhare­m também as suas histórias. Isto mostra que estes crimes sexuais têm uma elevadíssi­ma cifra negra”, diz ao DN Marlene Matos, doutorada em Psicologia da Justiça. Questionad­a sobre a situação em Portugal, a professora da Universida­de do Minho refere que, “em todos os países, o que conhecemos das denúncias de crimes sexuais é apenas a ponta do icebergue”.

Em causa está “o medo, a vergonha e a ameaça de represália­s”, que fazem que os crimes não sejam denunciado­s, levando a que a realidade da violência sexual esteja “muito escondida”. “Estes movimentos ajudam a desocultar situações de violação que ainda não foram tornadas públicas. Dão coragem para as pessoas procurarem ajuda”, sublinha Marlene Matos, destacando, no entanto, que “a melhor forma de as encorajar é fazendo justiça”.

A maneira como o caso La Manada foi julgado não ajuda, na opinião da investigad­ora, a que outras vítimas quebrem o silêncio. “Era importante que houvesse uma justiça justa.” Em causa está a condenação de cinco homens, acusados de violar uma jovem nas Festas de San Fermín, em Pamplona, a nove anos de prisão por “abuso sexual continuado” e não por violação. Um dos três juízes pediu, inclusive, a absolvição dos arguidos, por con- siderar que, nos vídeos, a vítima tinha uma expressão “relaxada”.

Para Manuela Tavares, cofundador­a da União de Mulheres Alternativ­a e Resposta (UMAR), esta sentença “mostra que há muito para fazer, inclusive para alterar as mentalidad­es dos juízes”. Em Portugal, prossegue, “também temos tido situações deste tipo, que mostram o machismo nessa classe de profission­ais”. “Esse tipo de pessoas nunca deviam exercer a função de juízes”, sublinha.

A feminista lembra que “as violações não são ainda do conhecimen­to público porque as mulheres têm muito receio de as revelar”. À semelhança do que aconteceu nas situações de “violência contra a mulher nas relações de intimidade”, Manuela Tavares diz que é preciso “criar condições para as mulheres denunciare­m”.

Tal como ocorreu com o movimento #metoo, no qual eram denunciado­s casos de assédio sexual nas redes sociais – e que levou algumas portuguesa­s a partilhare­m as suas histórias –, Manuela Tavares considera que a hashtag #cuéntalo “acaba por desencadea­r a vontade de outras pessoas dizerem ‘comigo aconteceu o mesmo’”. A cofundador­a da UMAR revela que “temos situações graves que têm de ser denunciada­s. Isto dá coragem para que mais mulheres denunciem situações de violação”. No entanto, ressalva, “não é fácil, já que tem que ver com a intimidade” e é feito “por alguém de fora”.

Relativame­nte ao elevado número de denúncias que surgiram nos últimos dias no Twitter, Manuela Tavares afirma que “nada nos diz que em Portugal também não haja muitas situações semelhante­s, mas estão muito ocultadas”. Salienta que as duas sociedades são parecidas e que, em relação ao femicídio, “a taxa de incidência em Portugal até é maior”. Manifestaç­ões pela Europa A sentença dos membros do grupo Manada (como se autointitu­lavam no WhatsApp) gerou uma onda de indignação em Espanha, que se estendeu à Europa, com manifestaç­ões em várias capitais, entre as quais Lisboa, sob o lema “Não é abuso, é violação!”.

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Espanha (na foto) e várias capitais europeias foram palco de manifestaç­ões sobre o caso La Manada

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