Windrush, o escândalo que custou a May a sua maior aliada
Sucessor de Amber Rudd no Interior prometeu “dignidade e respeito” para imigrantes chegados das Caraíbas no pós-II Guerra
Paulette Wilson chegou ao Reino Unido em 1968. Tinha 10 anos e veio com os pais da Jamaica à procura de vida melhor. Nunca mais saiu. Passadas mais de cinco décadas percebeu que era considerada uma imigrante ilegal pelas autoridades britânicas. A cozinheira, que trabalhou no Parlamento em Londres, nunca fez o passaporte, mas descontou durante 34 anos até, em outubro, ser enviada para um centro de detenção por não ter documentos e levada para Heathrow para ser deportada para um país que não via há meio século. Só a intervenção de última hora de uma ONG e de um seu deputado a salvou. Após a sua história ser contada pelo The Guardian, recebeu um visto de residência permanente. Mas nenhum pedido de desculpas.
É Paulette e outros 50 mil representantes da geraçãoWindrush que Sajid Javid prometeu ontem ajudar. O novo ministro do Interior, nomeado pela primeira-ministra Theresa May após a demissão, no domingo, de Amber Rudd, traçou como “tarefa urgente” garantir que estas pessoas são “tratadas com “dignidade e respeito”. Aos 48 anos, o filho de um motorista de autocarros paquistanês chegado ao Reino Unido nos anos 1960 já manifestara a ira pela forma como o governo tem lidado com o escândalo Windrush.
Mas o que é a geraçãoWindrush? A expressão é usada para se referir aos imigrantes convidados pelo governo para ir trabalhar para o Reino Unido após a guerra – pessoas chegadas entre 1948 e 1971 de países das Caraíbas como Jamaica, Trindade e Tobago e Barbados. O nome vem de um navio, o MV Empire Windrush, que em junho de 1948 atracou em Tilbury, Essex, com cerca de 500 jamaicanos a bordo.
O Immigration Act de 1971 deu a cidadania a naturais de países da Commonwealth chegados ao Reino Unido antes dessa data. Mas muitos na geraçãoWindrush chegaram em crianças, registados apenas no passaporte dos pais. E apesar de viverem há décadas no Reino Unido e pagarem impostos nunca pediram a cidadania. Agora, com o endurecimento das leis da imigração, 50 mil enfrentam problemas que vão desde perderem o emprego à falta de cuidados médicos e à deportação.
Pressionada pelos países da Caraíbas, May, ela própria ministra do Interior de 2010 a 2016, pediu desculpas durante a cimeira da Commonwealth em Londres, em abril. Mas isso não calou os apelos à demissão de Rudd, após a publicação nos media de documentos que revelam que a ministra do Interior tinha conhecimento do estabelecimento de quotas de deportação apesar de o ter negado numa audição parlamentar. Rudd garantira que o governo não definiu quotas para deportações, tendo logo surgido um memorando de 2017 com metas para “retiradas forçadas”. A ministra disse então nunca ter visto o memorando, mas o The Guardian publicou uma carta dela para May, em que referia um aumento de 10% nas deportações. O governo conservador definiu como objetivo reduzir para menos de cem mil por ano as entradas no país, menos de metade do que acontece atualmente.
Com a saída de Rudd, May perde uma das principais aliadas num governo dividido pelo brexit. Rudd era uma das ministras mais pró-europeias, enquanto Javid, apesar de ter feito campanha pela permanência na UE em 2016, admite que depois do referendo “somos todos brexiteers”. May sai assim enfraquecida, não só porque a oposição a culpa em parte pelo casoWindrush, afinal passou seis anos na pasta do Interior, mas também porque Rudd é o quarto ministro que perde devido a escândalos em seis meses.
A geração Windrush chegou ao Reino Unido entre 1948 e 1971 vinda de países das Caraíbas a convite do governo de Londres