Dezoito dias para celebrar 25 anos com 22 espetáculos de artistas de quatro continentes em sete espaços lisboetas
Esta noite, quando as bailarinas, cantoras e atrizes de Bouchra Ouizguen encherem os jardins do Castelo de São Jorge de sons e gestos que mais pertencem aos pássaros do que às gargantas e corpos de gente, ouviremos também o motor do Alkantara 2018 a arrancar. O espetáculo Corbeaux (corvos) junta intérpretes portuguesas às de diferentes gerações da companhia da coreógrafa marroquina (artistas oriundas da tradição de cabaré que vimos em Madame Plaza, na edição de 2012) e convoca rituais tão estranhos quanto familiares para atingir um corpo coletivo e um estado que é universal, íntimo e presente – o transe ritualista ancestral a ecoar naquele que a dança pode desencadear numa discoteca, por exemplo. Marca também, fora dos palcos convencionais, o início das celebrações de 25 anos na vida de um festival crucial para o panorama artístico e cultural atuais, que ultrapassa fronteiras de disciplinas e geografias.
A história destes 25 anos é intensa e está inscrita na imagem deste Alkantara. A partir de um trabalho quase arqueológico desenvolvido pela equipa, a designer Ana Teresa Ascensão põe em marcha um programa gráfico que usa a memória física do festival para desenhar os materiais desta edição. Um lugar para pensar “O Alkantara não seria o que é se nós não utilizássemos este momento de celebração e comemoração para olharmos para nós próprios e questionar o que estamos a celebrar”, começa por dizer Thomas Walgrave. “A linha da programação não pretende ser uma seleção do melhor que está a ser feito no mundo, é principalmente uma história de encontro e um encontro ao longo de um percurso. Olhando para estes dez anos, os que conheço melhor, acho que avançamos no diálogo entre públicos
O cenário de Quarta-Feira: O Tempo das Cerejas e artistas, que tem que ver com a coragem de uns e de outros de arriscar na complexidade das linguagens artísticas e na capacidade de compreender os códigos também. Estes públicos e estes artistas falam por si e entre si.” Aqui a curadoria é mais uma questão de mediação do que de autoria e há um gesto político que lida com questões além da ordem do estético ou do entretenimento, propondo interrogações mais do que exclamações. “Porque é que alguém hoje em dia faz teatro/dança/artes performativas? Há uma necessidade de estar ao vivo, no confronto direto com o público. Estas propostas de teatro-dança enquanto gesto que é também do espectador, resulta em espetáculos que partem, não da força da ilusão do teatro, e sim da força dessa relação com o público: o público olha para si próprio ao olhar para aquilo que está a ver”, reflete o curador.
São vários os exemplos ao longo da programação: Cláudia Dias, que em Quarta-Feira: O Tempo das Cerejas (Maria Matos Teatro, 7 a 9 ) encontra Igor Gandra (Teatro de Ferro), para a terceira parte do seu projeto Sete Anos, Sete Peças ou Kornél Mundruczó (que regressa a Lisboa com Imitation of Life, TNDMII, 1 e 2) ou da Artista na Cidade Christiane Jatahy (Ítaca – Nossa Odisseia I, São Luiz Teatro, 7 a 9) que toma o aqui e agora enquanto alicerce da prática artística, exponenciando o desejo de intervenção, pessoal e política, e interrogando constantemente a qualidade da nossa cidadania e das suas próprias práticas. “A dança dos anos 90 é menos sobre a certeza do movimento do que sobre o absurdo da existência. (...)Ela diz mais do horror dos tempos do que da fantasia dos sonhos. Daí a sua beleza”, escreveu o investigador e crítico de dança André Lepecki no editorial do primeiro Danças na Cidade.
FESTIVAL ALKANTARA