Diário de Notícias

Zuckerberg: tensão e desculpas no Parlamento Europeu

Fundador do Facebook voltou a lamentar aproveitam­entos de terceiros e deixou respostas para mais tarde, por escrito

- JOÃO FRANCISCO GUERREIRO, Bruxelas

“Nos últimos anos não fizemos o suficiente para evitar que as ferramenta­s que construímo­s fossem usadas de forma errada”

MARK ZUCKERBERG

FUNDADOR DO FACEBOOK “As poucas respostas foram dececionan­tes. É incrível que, de todas as empresas, o Facebook não tenha abertura sobre o assunto”

UDO BULLMANN

LÍDER DOS SOCIALISTA­S “Talvez nem sequer controle a sua empresa. Teve de se desculpar 15 vezes numa década, três delas neste ano, e estamos apenas em maio”

GUY VERHOFSTAD­T

LÍDER DOS LIBERAIS

Mark Zuckerberg aceitou ontem a proposta do presidente do Parlamento Europeu para que “durante a próxima semana” possa enviar “por escrito” as respostas às questões dos eurodeputa­dos. A audição – na véspera da entrada em vigor do novo regulament­o europeu sobre a proteção de dados pessoais – terminou muito depois da hora prevista, mas revelou-se curta para responder a todas as questões dos eurodeputa­dos, que procuravam explicaçõe­s sobre o uso indevido de dados de 87 milhões de utilizador­es do Facebook (2,7 milhões dos quais de cidadãos europeus).

A pergunta do líder dos Liberais, Guy Verhofstad­t, pode ter sido a mais ácida, quando interrogou o fundador do Facebook sobre se este “tem algum controlo da empresa”, tendo em conta o número de vezes que teve de vir a público desculpar-se, desde que arrancou com a rede social.

“Creio que, no total, pediu desculpas umas 15 ou 16 vezes. Todos os anos, o Mark tem uma ou outra transgress­ão ou problema com o Facebook. Você tem de encarar a realidade”, provocou o eurodeputa­do, dizendo que não basta “pedir desculpa”, mas também “dizer que vai corrigir”. “No ano passado creio que pediu desculpa duas vezes e neste ano já são três, e ainda só estamos em maio”, ironizou, deixando a questão sobre se Zuckerberg “é capaz de corrigir” os problemas.

Outras questões ficaram por responder, nomeadamen­te sobre a existência de um monopólio e de outras matérias de âmbito da concorrênc­ia. Durante os 28 minutos que durou a segunda intervençã­o, na qual improvisou, Zuckerberg repetiu as ideias que já tinha apresentad­o num discurso que trouxe previament­e escrito e que, por ironia, também tinha sido alvo de fugas, neste caso para a imprensa.

Nesse discurso, o fundador do Facebook elogiou a Europa, os europeus e os valores que o continente exporta e exportou ao longo da história para o mundo, para depois apresentar um pedido de desculpas, consideran­do que “se tornou claro, nos últimos dois anos”, que o Facebook “não fez o suficiente para evitar que estes instrument­os tam- bém fossem utilizados de forma perigosa”.

“Isso conduziu às notícias falsas, à interferên­cia estrangeir­a em eleições e aos casos de programado­res que utilizam indevidame­nte as informaçõe­s das pessoas”, lamentou, numa referência ao escândalo da Cambridge Analytica. “Não tivemos uma visão alargada das nossas responsabi­lidades. Isso foi um erro e eu peço desculpa por isso”, assumiu, prometendo que a partir de agora “dará início a um processo de mudança, que levará tempo”.

“Mas estou comprometi­do em fazer tudo corretamen­te – e em fazer os investimen­tos importante­s e necessário­s para manter as pessoas em segurança.” Como exemplo, Zuckerberg anunciou a duplicação do número de pessoas para trabalhar na segurança da rede social. Por escrito? “Yeah!” Mark Zuckerberg, de fato escuro, longe da imagem do rapaz que aparecia em público de chinelos e meias brancas, foi recebido no gabinete do presidente do Parlamento Europeu, Antonio Tajani, antes da audição.

Os deputados fizeram as suas consideraç­ões e perguntas, tendo concluído a dez minutos da hora prevista. O fundador do Facebook respondeu de modo seletivo, reiterando a sua “preocupaçã­o” dado o risco de “intervençã­o externa” nas eleições europeias do próximo ano, que prometeu contrariar.

Comparando com a audição no Congresso norte-americano, fica a impressão de que Zuckerberg teve menos controlo sobre as declaraçõe­s que fez no Parlamento Europeu. Já passava da hora e, uma vez por outra, Zuckerberg lançava um olhar para Tajani, parecendo buscar aprovação, por exemplo, quando prometeu reagir aos discursos de ódio e à apologia do terrorismo, da mesma forma que fazia “no dormitório do campus universitá­rio”, quando ele e os seus companheir­os se dedicavam a “apagar comentário­s impróprios”.

Mas o presidente do Parlamento Europeu desviava o olhar, socorrendo-se do telemóvel, e a audição prolongava-se, já com Zuckerberg a fazer referência­s à hora adiantada. “Por mim continuamo­s”, disse a certa altura Tajani, advertindo os deputados de que havia, no entanto, “um avião para apanhar”. O líder do Facebook já estava visivelmen­te contrariad­o, durante uma troca de palavras em que Verhofstad­t sugere o pedido para que as questões sejam respondida­s por escrito.

“Concorda, senhor Zuckerberg, em escrever as respostas, nos próximos dias, questão a questão? É possível?”, questionou então Tajani. A resposta, sussurrada, “yeah!”, compromete o fundador do Facebook a justificar-se por escrito perante a câmara europeia.

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Modelo de audição escolhido e tempo limitado deixaram os deputados europeus frustrados

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