Não vi, não ouvi, não disse: a defesa dos PSP no caso de racismo
Os quatro primeiros agentes ouvidos pelo tribunal alegam que ninguém agrediu, injuriou ou ameaçou os jovens detidos
Não vi, não ouvi, não disse. Foi este o aparente código seguido pelos primeiros quatro dos 17 agentes da PSP que começaram nesta terça-feira a ser julgados no tribunal de Sintra, pelos crimes (entre outros) de racismo e tortura contra seis jovens da Cova da Moura.
Estes quatro operacionais, que patrulhavam a Cova da Moura, garantem que não viram nenhuma das vítimas ferida com gravidade (“nunca as ouvi queixar-se”, afirmaram), que nunca proferiram insultos racistas, nem ouviram ninguém a fazê-lo. Também não foram os agentes da PSP, segundo o testemunho que prestaram, que atingiram com balas de borracha as duas moradoras do bairro, que tiveram de receber tratamento hospitalar (“era impossível acertar-lhes, só numa história de filme”, disse João Nunes o “operador” da shotgun).
As detenções foram “apenas” porque cinco dos jovens tentaram “invadir” a esquadra para resgatar um “amigo” que tinha sido capturado no bairro, momentos antes.
“Parece que estavam a relatar um sonho”, concluía uma residente da Cova da Moura, à saída da sala de audiências. Com ela estava Jakilson Pereira, da Associação Moinho da Juventude, um centro de apoio social do bairro, que também estava incrédulo. “Como podem dizer isto assim? É um desrespeito para com o tribunal. A PJ tem provas do que está na acusação! É surreal!”
Entre os jovens detidos estavam dois mediadores do Moinho da Juventude, Flávio Almada e Celso Lopes, que os agentes dizem terem sido os primeiros a “invadir” a esquadra e a “atacar” os agentes. Celso foi baleado por uma shotgun, com balas de borracha por um dos agentes ontem ouvidos. “Ia saltar para cima de mim e disparei, mas nem me apercebi de que o tinha atingido na coxa. Ele também não se queixou”, afirmou o agente João Nunes, o mesmo que disse ser “impossível” ter acertado “com um tiro para o ar” nas duas moradoras feridas.
Os polícias respondem por denúncia caluniosa, injúria, ofensa à integridade física e falsidade de testemunho, num caso que remonta a 5 de fevereiro de 2015, por alegadas agressões a jovens da Cova da Moura na esquadra de Alfragide, estando ainda acusados de outros tratamentos cruéis e degradantes ou desumanos, de sequestro agravado e de falsificação de documento. O MP considera que os agentes agiram com ódio racial, de forma desumana, cruel e tiveram prazer em causar sofrimento. “Sinto uma grande tristeza, como polícia e como cidadão. por estar a ser acusado destas coisas”, frisou Fábio Moura.
Os quatro agentes foram minuciosamente interrogados pela juíza, que quis “tudo muito bem explicadinho” e manifestou algumas incredulidades. Uma delas foi em relação à versão dos polícias, segundo a qual foram apedrejados pelos moradores. “Os senhores tinham equipamento de proteção? Capacetes, coletes?” “Não”, respondeu André Silva. “Mas que grande falta de pontaria, nenhum de vocês ter ficado ferido”, ironizou. A tese da invasão da esquadra também mereceu várias questões da magistrada, que expressou dúvidas sobre porque, daquela vez, os jovens, incluindo os dois do Moinho, decidiram “atacar” assim a PSP.
“Sinto uma grande tristeza como polícia e como cidadão por estar aqui a ser acusado destas coisas”, admitiu o agente Fábio Moura