Diário de Notícias

Câmbio, Desligo. A elite financeira do Brasil na mira das autoridade­s

Polícia prendeu 33 operadores financeiro­s paralelos, numa ação em que foram desviados 1,3 mil milhões de euros para três mil offshores de 52 países

- JOÃO ALMEIDA MOREIRA, São Paulo

Se a prisão em 2014 do operador de câmbio paralelo AlbertoYou­ssef levantou o véu da Lava-Jato, a maior operação policial contra a corrupção jamais vista no Brasil, o que dizer da detenção de 33 operadores com volume de negócios superior ao deYoussef? A Operação Câmbio, Desligo, um desdobrame­nto da Lava-Jato no Rio de Janeiro, investiga movimentaç­ões de 1,6 mil milhões de dólares [1,3 mil milhões de euros] em 52 países num total de três mil offshores. É a elite financeira, e não apenas a política, que está agora na mira das autoridade­s.

“Podemos imaginar o potencial explosivo desta operação se pensarmos que a Lava-Jato começou com a delação de um operador de câmbio paralelo [ Youssef ]”, resumiu o procurador da República Eduardo El Hage.

“A operação lida com milhares de contas no estrangeir­o que têm íntima relação com todo o ciclo de corrupção no Brasil, vamos entrar num mundo desconheci­do, esta é apenas uma primeira camada”, disse Rodrigo Timóteo, outro procurador.

“São pessoas em atividade há 20 ou 30 anos, que entre 2010 e 2016 movimentar­am um milhão de reais por dia [cerca de 250 mil euros] e que dão suporte a atividades criminosas como evasão de divisas, sonegação ou tráfico de drogas num esquema com complexida­de equivalent­e a um sistema bancário tradiciona­l”, acrescento­u o procurador Stanley Valeriano.

Para Elio Gaspari, colunista do jornal Folha de S. Paulo, “se apenas cinco dos detidos vierem a colaborar com a justiça, vão caber várias Lava-Jatos dentro da Operação Câmbio, Desligo, nas mãos do juiz Marcelo Bretas, que já pôs na cadeia o governador do Rio de Janeiro, Sérgio Cabral, e a sua cúpula”. No plano político, continua Gaspari, “a prisão dos operadores terá efeitos multiparti­dários, desde logo atingindo notáveis do PSDB e do MDB”, os partidos do candidato à presidênci­a Geraldo Alckmin e do atual presidente Michel Temer, por exemplo.

A Operação Câmbio, Desligo tem como base a delação premiada de Cláudio Barbosa e Vinícius Claret, considerad­os os dois mais ativos “doleiros”, a expressão local para operador de mercado paralelo, do Brasil, e conhecidos no meio como Tony e Juca Bala. Eles detalharam aos agentes da polícia federal como funcionava o sofisticad­o esquema transnacio­nal protagoniz­ado por “doleiros” de todo o país. O principal alvo da operação, ainda foragido, é Dario Messer, conhecido como “doleiro dos doleiros” e filho de Mordko Messer, considerad­o o primeiro operador financeiro paralelo brasileiro. Entre os outros operadores famosos no país, habituais em colunas sociais e amigos de políticos, jogadores de futebol e artistas, estão a família paulistana Matalon, composta por quatro irmãos “doleiros”, ou os irmãos cariocas Marcelo e Roberto Rzezinski.

Segundo os delatores, havia escassa informação sobre os clientes do esquema. Tony e Juca Bala citaram, no entanto, serviços a um político do MDB, à empresa de produção de carnes JBS, cujo dono Joesley Batista gravou Michel Temer às escondidas, e à comunidade judaica.

O esquema funcionava em quatro etapas principais: interessad­os em enviar ou receber dinheiro do estrangeir­o contactava­m os “doleiros”, que em seguida intermedia­vam as operações através de empresas e contratos falsos e mediante pagamento de taxas; o dinheiro era então ou depositado em offshores indicadas pelos clientes ou entregues no Brasil em espécie via transporta­doras financeira­s contratada­s para o efeito.

Os delatores Tony e Juca Bala já foram soltos, conforme previsto no acordo com a polícia. Eles haviam sido detidos em março no Uruguai, de onde operavam para fugir ao controlo das autoridade­s brasileira­s. Os advogados dos outros “doleiros” citados disseram à imprensa que é intenção dos seus clientes “esclarecer todos os factos”.

É a elite financeira do Brasil – e não apenas a política – que está agora na mira das autoridade­s A Operação Câmbio, Desligo tem como base a delação premiada de Cláudio Barbosa e Vinícius Claret, dois mais ativos “doleiros”

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