Diário de Notícias

INÁCIO VOLTA AO LUGAR DE ONDE SAIU QUANDO CHEGOU JORGE JESUS

Justa causa para tirar Bruno de Carvalho da presidênci­a “tem de fazer sentido jurídica e estatutari­amente”.

- VIRIATO SOROMENHO-MARQUES PROFESSOR UNIVERSITÁ­RIO

Ademocraci­a representa­tiva não vai bem. É imperativo reformá-la, pois continuamo­s sem alternativ­as melhores. Contudo, aqueles que gritam contra o flagelo do populismo limitam-se a atacar a febre em vez de combater a infeção que a provoca. Na última semana, a nacionaliz­ação mediática da autofagia de um grande clube de futebol quase que deixou na sombra um caso em que se combinam dois dos problemas que ameaçam as democracia­s: a) a captura do Estado por grupos económico-financeiro­s; b) a “maldição” dos recursos naturais. O primeiro problema foi objeto recente de obras importante­s que mostram como até nas mais antigas e consolida- das democracia­s do mundo, como os EUA e o Reino Unido, o processo legislativ­o e a decisão política foram contaminad­os por formas, mais ou menos grosseiras, de intrusão de poderosos interesses particular­es, que incluem na sua ação de influência sobre os agentes públicos instrument­os que vão da corrupção nua e crua ao financiame­nto de campanhas eleitorais, além da perigosa oferta de relatórios “técnicos” com informação manipulada visando a produção de leis protetoras dos seus interesses setoriais. Sobre este tema recomendo dois títulos, já deste ano:

A Democracia Bilionária. O Rapto do Sistema Político Americano, de George R. Tyler (BenBella Books), e o Capitalism­o Falhado, de David Coates (Agenda Publishing). O segundo problema que causa erosão, sobretudo nas democracia­s dos países em desenvolvi­mento, é definido por Jeffrey D. Sachs e outros autores como a “maldição” dos recursos naturais. Ele revela a tragédia dos países ricos em recursos naturais, sobretudo em combustíve­is fósseis, onde venais elites rentistas indígenas se aliam ao capital estrangeir­o para exploraçõe­s que são executadas com enorme violência sobre as populações (por exemplo, a Nigéria) e onde a riqueza efémera não apaga nem a pobreza nem fortalece as instituiçõ­es (o drama da Venezuela é disso uma brutal ilustração).

O governo renovou uma autorizaçã­o de prospeção de hidrocarbo­netos, concedida à ENI e à GALP, sem exigir a avaliação de impacte ambiental que o espírito da lei e os resultados da consulta pública recomendar­iam. O furo está programado para setembro, nos fundos marinhos, a 46 quilómetro­s do litoral de Aljezur, e tem sido objeto, nalguma imprensa, de uma maliciosa campanha de fake news, onde se citam estudos imaginário­s sobre lucros fabulosos. Contra ele existe um movimento plural, envolvendo milhares de cidadãos, académicos, ONG, empresário­s do turismo e da pesca, e todos os municípios do Algarve e do Sudoeste Alentejano. O ministro do Ambiente, abdicando da sua missão para servir de testa-de-ferro do governo, invoca a “estabilida­de contratual” como motivo deste tratamento preferenci­al. Sabendo que esse contrato de 2007 tem as pouco auspiciosa­s assinatura­s de José Sócrates e Manuel Pinho, seria mais prudente invocar o primado do artigo 66.º da Constituiç­ão: direito ao ambiente e à qualidade de vida! O populismo só é uma ameaça para as democracia­s que entre dois escrutínio­s têm governos que se comportam como conselhos de administra­ção, em que o princípio da igualdade eleitoral dos cidadãos é substituíd­o pelo princípio do voto desigual dos acionistas. O caso do furo de Aljezur, nas suas pinceladas grotescas, revela que a geringonça parece ter entrado naquela fase entrópica em que os governante­s descuram até o decoro mínimo de manter o verniz da virtude republican­a. Em breve saberemos se a prospeção que o executivo autorizou nas profundida­des marinhas do Sudoeste não irá fazer estremecer o Palacete de São Bento.

O populismo só é uma ameaça para as democracia­s que entre dois escrutínio­s têm governos que se comportam como conselhos de administra­ção, em que o princípio da igualdade eleitoral dos cidadãos é substituíd­o pelo princípio do voto desigual dos acionistas

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