Temer autoriza uso do exército contra bloqueios de camionistas
Forças de segurança autorizadas até a assumir o volante dos veículos. Reação do governo surge após quatro dias de caos no país. Em São Paulo, foi decretado estado de emergência
O exército brasileiro está autorizado pela presidência da República a desfazer os bloqueios de estradas promovidos por milhares de camionistas em mais de 500 estradas dos 26 estados do Brasil, prender quem resistir e até a tomar o volante dos veículos em caso de necessidade. O anúncio, feito em comunicação oficial por Michel Temer, surge horas depois de as partes terem chegado a um acordo que, segundo o governo, os manifestantes romperam. E após quatro dias caóticos no país.
Até à hora do fecho da edição ainda não havia registo de confrontos entre camionistas e forças de segurança.
“Não vamos permitir que a população fique sem géneros de primeira necessidade, não vamos permitir que os hospitais fiquem sem bens para salvar vidas, não vamos permitir que crianças sejam prejudicadas pelo fecho de escolas, não vamos permitir que produtores tenham o seu trabalho afetado”, disse Temer, minutos depois de assinar o decreto que colocou em campo exército, marinha e força aérea.
Em paralelo, o Palácio do Planalto pediu ao Supremo Tribunal Federal para considerar a paralisação ilegal. Noutras instâncias, o governo conseguiu obter 20 decisões judiciais para remover as viaturas das estradas e das bermas. A Polícia Federal investiga eventuais crimes cometidos durante os bloqueios. “Minoria radical” Segundo o presidente da República, “é uma minoria radical que não quer cumprir o acordo assinado”. Esse acordo, estabelecido de urgência já na madrugada de sexta-feira, previa o congelamento do preço do diesel, principal reivindicação dos camionistas, em troca de uma trégua nas greves de 15 dias. Os 350 milhões de reais (cerca de 80 milhões de euros) que a medida vai custar à estatal petrolífera Petrobras serão compensados pelo tesouro nacional nos próximos meses. Como efeito colateral, a medida do governo fez a Petrobras, em árduo processo de recuperação depois do escândalo do Petrolão investigado pela Operação Lava-Jato, perder 48 mil milhões de reais (à volta de 11 mil milhões de euros) de valor de mercado num único dia.
Dez das 11 entidades que representam os camionistas assinaram o acordo e anunciaram a suspensão dos bloqueios. É à Associação Brasileira dos Caminhoneiros, única que não concordou com os termos do contrato, que são atribuídas as paralisações que ainda persistem por todo o país. “Esta trégua foi obtida pela maioria dos votos na reunião mas não pelas ruas”, alertou José Fonseca, o presidente de uma entidade que representa 700 mil camionistas.
Com quase um quinto do serviço de transportes afetado com os bloqueios, a cidade de São Paulo declarou estado de emergência. “Nem serviços funerários conseguimos assegurar”, justificou o prefeito da maior cidade brasileira. Bruno Covas admitiu ainda apreender combustível por não sobrarem reservas de etanol nem de gasolina comum. Racionamento de alimentos Supermercados do estado de São Paulo mas também do estado do Rio de Janeiro, do Distrito Federal e dos três estados da região sul registavam racionamento de alimentos. Na quinta-feira, quatro milhões de litros de leite foram desperdiçados só no estado do Rio Grande do Sul. Acumularam-se filas homéricas nos postos de gasolina em geral e no porto de Santos. Ontem, o aeroporto de Congonhas registava a meio da tarde 33 voos cancelados por falta de combustível. Outros dez aeroportos do país sofriam do mesmo problema. As montadoras de automóveis do Brasil suspenderam atividades por falta de peças. Farmácias e hospitais registaram défice de abastecimento de remédios e vacinas. Dez universidades federais fecharam portas. Sete cidades do estado da Rondônia ficaram às escuras por falta de diesel nas termoelétricas.
A paralisação dos camionistas começou na segunda-feira em 19 dos 26 estados em protesto contra o aumento recente do combustível – desde julho a subida de preço foi de 56%. No dia seguinte, o governo prometeu retirar um imposto sobre o diesel, medida considerada insuficiente pelos manifestantes, e na quarta-feira foi acordada a redução do preço em 10%.