O problema em cumprimentar António Costa, “um tipo como nós”
O congresso ao contrário – A tarde. Nas laterais do centro onde decorre o Congresso do PS diz-se que o primeiro-ministro António Costa é um líder improvável por ser um tipo normal. Teoria da qualificação política, vista da rua lateral ao pavilhão onde por
“Sócrates era magnânimo, o Seguro muito discreto, e este é aquele rapaz que dá a volta a tudo”, diz José Silva Júnior, militante de 78 anos
Perpendicular ao ExpoSalão da Batalha, onde ontem começou o congresso socialista, está a Rua do Nascente, um caminho esburacado que ao fim de uns metros se torna de terra batida. Está ladeado por meia dúzia de pequenas empresas, dezena e meia de vivendas e dois hectares de montado onde já foi arrancada a cortiça aos sobreiros. Quando António Costa chegou ao pavilhão, pelas sete e meia da tarde, Luís Filipe Miguel foi ver o circo ao seu quintal e ficou ali a pensar com os seus botões se haveria ou não de cumprimentar o primeiro-ministro.
Luís é proprietário de uma das maiores fábricas de túmulos portuguesa, a Granicentro, que fica a menos de cem metros do lugar onde os socialistas debatem as estratégias para o país. Pelo negócio da morte consegue explicar um país inteiro. “No tempo do Sócrates vendiam-se campas muito trabalhadas, cheias de ornamentos, mas muita gente não pagava as contas.” Depois veio Passos Coelho e uma época de aperto de cinto: toda a gente dava primazia ao mármore. “Agora com Costa o negócio melhorou, sim, mas isso deve-se sobretudo às exportações. Os portugueses preferem cada vez mais as cremações.” Fosse Marcelo a aparecer-lhe ali na Batalha e o homem correria para mais um abraço – já lhe deu uns quantos. Mas com o primeiro-ministro não consegue decidir-se sobre o que fazer. É que Costa trouxe uma lufada de ar fresco ao país, mas Costa também lá chegou com um tiro improvável – sem ganhar as eleições. Na exposição das campas de granito, há uma com o desenho de um caçador. “António Costa é assim, sabe para onde quer apontar. O problema é que nós nunca sabemos para onde aponta.”
É por isto que Luís não sabe se há de ir ou não cumprimentar António Costa. Sente que aquele homem imprevisível é tão surpreendente como a subida do número de cremações. Se o expectável era que os lucros descessem com menos enterros, a verdade é que eles subiram com a venda para outros países. E Costa, em quem não tinha esperanças nenhumas quando assumiu o governo, apanhou-o desprevenido. “Ele não é um líder como os outros, que nos dê vontade de irmos a correr dar-lhe um abraço. É um tipo como nós, que pensamos que não vai ter soluções, e de repente tem.” À minha maneira Quando os delegados começaram a chegar ao congresso para se registarem, houve quase uma hora em se ouvia no pavilhão uma versão instrumental de À Minha Maneira, dos Xutos & Pontapés. O som voltaria a ouvir-se quando o primeiro-ministro subiu pela primeira vez ao palco para falar. Então qual é, afinal, a maneira de António Costa?
“Ele adapta-se a tudo”, responde José Silva Júnior, um militante de 78 anos da ilha do Pico. “Só tinha vindo a estes encontros quando o secretário-geral era o Mário Soares e agora voltei porque nunca conheci um líder assim no meu partido.” Veio, em suma, por homenagem, porque Costa é, para ele, o símbolo do triunfo dos pequenos. “Sócrates era magnânimo, o Seguro muito discreto, e este rapaz é aquele que dá a volta a tudo para levar a água ao seu moinho.”
Ao fundo da Rua do Nascente, Luísa Simões, enfermeira reformada, tem toda uma teoria para explicar o homem. “É uma pessoa que olha de frente para nós. Por um lado não desconfiamos muito dele, por outro também não acreditamos demasiado.” Também ela não sabe como haveria de cumprimentar Costa. “Um abraço seria demasiado íntimo mas um aperto de mão muito distante. Acho que para a maioria dos portugueses ele está algures no meio desses dois conceitos.” O tipo como nós Há uns bons minutos que Carlos Trancoso, militante em Monção, se pôs num canto ao lado da porta do ExpoSalão a observar a multidão de esguelha. São 19.30, hora prevista de chegada do secretário-geral do PS. Um círculo de câmaras vai rodeando à vez as figuras proeminentes do partido: Carlos César, Vieira da Silva, Pedro Nuno Santos. “Há de reparar que, quando António Costa chegar, não vai deixar ninguém pará-lo. Ele é assim, segue o rumo dele. É por causa desse pragmatismo que acredito tanto nele.”
Pouco depois Costa chega à porta do ExpoSalão num Audi série 6. Sai, levanta os braços e caminha para dentro do pavilhão. Os jornalistas bem tentam travá-lo, mas o homem de facto não para, vai ziguezagueando através da multidão dirigindo-se ele às pessoas que quer cumprimentar. Não são tanto os outros a irem ter com ele, é ele a meter conversa com toda a gente. Não fossem os jornalistas e Costa era mais um deles.
Depois de votar na constituição da mesa do congresso, o primeiro-ministro entra na sala onde decorrerão os trabalhos e distribui cumprimentos pela multidão. É como se houvesse um grande jantar de família e tivesse agora chegado o anfitrião com as garrafas de vinho. Toda a gente se senta, vai passar um filme de homenagem a Mário Soares.
Ao microfone é anunciado o discurso do homem que “ofereceu uma alternativa ao país e que restaurou a confiança dos portugueses”. A multidão levanta-se para uma ovação. António Costa está descontraído, acena a duas ou três pessoas, como se fossem os primos distantes que chegassem em cima do brinde. Um tipo como nós avança pelos degraus do palco e toda a gente se silencia. É agora, vai falar.