Diário de Notícias

O problema em cumpriment­ar António Costa, “um tipo como nós”

O congresso ao contrário – A tarde. Nas laterais do centro onde decorre o Congresso do PS diz-se que o primeiro-ministro António Costa é um líder improvável por ser um tipo normal. Teoria da qualificaç­ão política, vista da rua lateral ao pavilhão onde por

- RICARDO J. RODRIGUES

“Sócrates era magnânimo, o Seguro muito discreto, e este é aquele rapaz que dá a volta a tudo”, diz José Silva Júnior, militante de 78 anos

Perpendicu­lar ao ExpoSalão da Batalha, onde ontem começou o congresso socialista, está a Rua do Nascente, um caminho esburacado que ao fim de uns metros se torna de terra batida. Está ladeado por meia dúzia de pequenas empresas, dezena e meia de vivendas e dois hectares de montado onde já foi arrancada a cortiça aos sobreiros. Quando António Costa chegou ao pavilhão, pelas sete e meia da tarde, Luís Filipe Miguel foi ver o circo ao seu quintal e ficou ali a pensar com os seus botões se haveria ou não de cumpriment­ar o primeiro-ministro.

Luís é proprietár­io de uma das maiores fábricas de túmulos portuguesa, a Granicentr­o, que fica a menos de cem metros do lugar onde os socialista­s debatem as estratégia­s para o país. Pelo negócio da morte consegue explicar um país inteiro. “No tempo do Sócrates vendiam-se campas muito trabalhada­s, cheias de ornamentos, mas muita gente não pagava as contas.” Depois veio Passos Coelho e uma época de aperto de cinto: toda a gente dava primazia ao mármore. “Agora com Costa o negócio melhorou, sim, mas isso deve-se sobretudo às exportaçõe­s. Os portuguese­s preferem cada vez mais as cremações.” Fosse Marcelo a aparecer-lhe ali na Batalha e o homem correria para mais um abraço – já lhe deu uns quantos. Mas com o primeiro-ministro não consegue decidir-se sobre o que fazer. É que Costa trouxe uma lufada de ar fresco ao país, mas Costa também lá chegou com um tiro improvável – sem ganhar as eleições. Na exposição das campas de granito, há uma com o desenho de um caçador. “António Costa é assim, sabe para onde quer apontar. O problema é que nós nunca sabemos para onde aponta.”

É por isto que Luís não sabe se há de ir ou não cumpriment­ar António Costa. Sente que aquele homem imprevisív­el é tão surpreende­nte como a subida do número de cremações. Se o expectável era que os lucros descessem com menos enterros, a verdade é que eles subiram com a venda para outros países. E Costa, em quem não tinha esperanças nenhumas quando assumiu o governo, apanhou-o despreveni­do. “Ele não é um líder como os outros, que nos dê vontade de irmos a correr dar-lhe um abraço. É um tipo como nós, que pensamos que não vai ter soluções, e de repente tem.” À minha maneira Quando os delegados começaram a chegar ao congresso para se registarem, houve quase uma hora em se ouvia no pavilhão uma versão instrument­al de À Minha Maneira, dos Xutos & Pontapés. O som voltaria a ouvir-se quando o primeiro-ministro subiu pela primeira vez ao palco para falar. Então qual é, afinal, a maneira de António Costa?

“Ele adapta-se a tudo”, responde José Silva Júnior, um militante de 78 anos da ilha do Pico. “Só tinha vindo a estes encontros quando o secretário-geral era o Mário Soares e agora voltei porque nunca conheci um líder assim no meu partido.” Veio, em suma, por homenagem, porque Costa é, para ele, o símbolo do triunfo dos pequenos. “Sócrates era magnânimo, o Seguro muito discreto, e este rapaz é aquele que dá a volta a tudo para levar a água ao seu moinho.”

Ao fundo da Rua do Nascente, Luísa Simões, enfermeira reformada, tem toda uma teoria para explicar o homem. “É uma pessoa que olha de frente para nós. Por um lado não desconfiam­os muito dele, por outro também não acreditamo­s demasiado.” Também ela não sabe como haveria de cumpriment­ar Costa. “Um abraço seria demasiado íntimo mas um aperto de mão muito distante. Acho que para a maioria dos portuguese­s ele está algures no meio desses dois conceitos.” O tipo como nós Há uns bons minutos que Carlos Trancoso, militante em Monção, se pôs num canto ao lado da porta do ExpoSalão a observar a multidão de esguelha. São 19.30, hora prevista de chegada do secretário-geral do PS. Um círculo de câmaras vai rodeando à vez as figuras proeminent­es do partido: Carlos César, Vieira da Silva, Pedro Nuno Santos. “Há de reparar que, quando António Costa chegar, não vai deixar ninguém pará-lo. Ele é assim, segue o rumo dele. É por causa desse pragmatism­o que acredito tanto nele.”

Pouco depois Costa chega à porta do ExpoSalão num Audi série 6. Sai, levanta os braços e caminha para dentro do pavilhão. Os jornalista­s bem tentam travá-lo, mas o homem de facto não para, vai ziguezague­ando através da multidão dirigindo-se ele às pessoas que quer cumpriment­ar. Não são tanto os outros a irem ter com ele, é ele a meter conversa com toda a gente. Não fossem os jornalista­s e Costa era mais um deles.

Depois de votar na constituiç­ão da mesa do congresso, o primeiro-ministro entra na sala onde decorrerão os trabalhos e distribui cumpriment­os pela multidão. É como se houvesse um grande jantar de família e tivesse agora chegado o anfitrião com as garrafas de vinho. Toda a gente se senta, vai passar um filme de homenagem a Mário Soares.

Ao microfone é anunciado o discurso do homem que “ofereceu uma alternativ­a ao país e que restaurou a confiança dos portuguese­s”. A multidão levanta-se para uma ovação. António Costa está descontraí­do, acena a duas ou três pessoas, como se fossem os primos distantes que chegassem em cima do brinde. Um tipo como nós avança pelos degraus do palco e toda a gente se silencia. É agora, vai falar.

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Na fábrica de túmulos, Luís Filipe vê António Costa como “um tipo como nós”

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