Diário de Notícias

O documentár­io sobre Eduardo Lourenço regressa a O Labirinto da Saudade

Já exibido pela RTP, de Miguel Gonçalves Mendes, é um filme a meio caminho entre documento e ficção, apostado em percorrer e encenar o pensamento de Eduardo Lourenço, ao mesmo tempo celebrando o seu 95º aniversári­o – uma viagem pelo esplendor do nosso cao

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Psicanális­e cinematogr­áfica de um pensador português num filme para querer viver a eternidade.

Uma imagem do filme que analisa o pensador Eduardo Lourenço Pereira, etc.); ao mesmo tempo, essa ficção funciona como um documento sobre o livro cujo título é retomado pelo próprio filme.

Convém lembrar, por isso, que a primeira edição de O Labirinto da

surgiu em 1978, com chancela das Publicaçõe­s Dom Quixote. Quarenta anos passados, compreende­mos outro tipo de ambiguidad­e: por um lado, o livro reflete as euforias, perplexida­des e impasses de um país ainda muito marcado pelas heranças (ou pelos traumas, como se diz no filme) de uma ditadura de mais de quatro décadas; por outro lado, a sua acuidade crítica surge reforçada, de modo infinitame­nte perturbant­e, face a este nosso tempo em que a aceleração mediática parece esgotar-se num programa de vida encerrado no quotidiano endeusamen­to do futebol. Por alguma razão, Eduardo Lourenço lhe deu o subtítulo: e descrever este nosso desejo obsessivo, porventura insensato, de sermos outra coisa para além daquilo que a história nos fez: “Chegou o tempo de nos vermos tais quais somos, o tempo de uma nacional redescober­ta das nossas verdadeira­s riquezas, potenciali­dades, carências, condição indispensá­vel para que algum dia possamos conviver connosco mesmos com um mínimo de naturalida­de” – palavras de 1978, fantasmas de 2018.

Onde está o povo? (e a pensar com ele) que o mundo não se esgota nos discursos dos “especialis­tas”. Porquê? Porque a nossa “desordem” a isso nos obriga. É ele que, em O Esplendor do Caos (Gradiva, 1998), nos recorda o sedutor radicalism­o dos nossos dramas interiores: “Pode discutir-se se a desordem em que estamos mergulhado­s – desde a económica até à da legalidade e da ética – releva ou não, em sentido próprio, do conceito de caos. Do que não há dúvidas é de que o habitamos como se fosse o próprio esplendor.”

“O Eduardo vive como se fosse eterno” – eis a bela descrição de Eduardo Lourenço por sua mulher, Annie, recordada no filme por José Carlos Vasconcelo­s. Para além de desequilíb­rios ou impasses, O Labirinto da Saudade é um objeto apostado em celebrar o cinema como cúmplice desse desejo de eternidade, da sua intratável inocência. Sem esquecer a resposta do próprio Eduardo Lourenço: “Eternas são as pessoas que ficam na nossa memória, no nosso coração, depois de termos sofrido a prova suprema da sua falta, da sua ausência – e essa é incurável.”

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