O produtor Harvey Weinstein entregou-se ontem às autoridades após escândalo
O escândalo rebentou há menos de um ano. Após denúncias de mais de 74 mulheres, ontem, o produtor Harvey Weinstein entregou-se voluntariamente à polícia. Enfrenta acusações de violação e assédio sexual, mas pagou a fiança e foi libertado com uma pulseira
No último ano a vida mudou para o executivo de Hollywood depois de ser acusado por 74 mulheres.
HarveyWeinstein chegou à esquadra da polícia do primeiro distrito de Tribeca, em Nova Iorque, por volta das 07.30 de sexta-feira, levando três livros grossos debaixo do braço, entre os quais uma biografia do realizador Elia Kazan. Levantou os olhos do chão quando os jornalistas o chamaram pelo nome próprio – “Harvey!” – mas não disse uma palavra. Lá dentro deixou a sua impressão digital e tirou a fotografia da praxe.
Sem sorrir. Sem a arrogância que lhe conhecíamos quando era fotografado nas passadeiras vermelhas de Hollywood e dos vários festivais de cinema onde desfilou, sempre ladeado por belas mulheres, ostentando o título de “maior produtor independente” da América, o fundador da Miramax, o visionário que, entre incontáveis títulos no cinema e na televisão, permitiu que víssemos obras como Sexo, Mentiras e Vídeo (1989), de Steven Soderbergh, e Pulp Fiction (1994), de Quentin Tarantino. Ou mesmo o mais romântico A Paixão de Shakespeare, de John Madden, filme com que o produtor ganhou o seu único Óscar em 1998.
E agora ali estava, com 66 anos, de mãos algemadas atrás das costas, com dois agentes da polícia a agarrar-lhe os braços, a caminho do tribunal. Às 09.24 entrou na sala de audiências do juiz Kevin McGrath, onde a procuradora Joan Illuzi enunciou a acusação: violação de primeiro e terceiro graus num caso e abuso sexual noutro. E explicou que o produtor “usou a sua posição, dinheiro e poder para seduzir mulheres, colocando-as em situações em que poderia violá-las sexualmente.”
Weinstein permaneceu calado. O seu advogado, Benjamin Brafman, negou todas as acusações de sexo não consentido. E tinha previamente estabelecido um acordo com o preço da liberdade do seu cliente: Weinstein pagou uma fiança de um milhão de dólares em dinheiro (cerca de 853 mil euros) e concordou em usar uma pulseira eletrónica, entregou o passaporte e está proibido de sair dos estados de Nova Iorque e Connecticut. Weinstein saiu do tribunal pela porta das traseiras ainda não eram dez da manhã e tem até quarta-feira para decidir se pretende ou não testemunhar perante o grande júri que continua a investigar o caso.
Este é o primeiro caso judicial contra Harvey Weinstein, sete meses depois das várias denúncias de alegados abusos sexuais e má conduta por mulheres de Hollywood e que desencadearam o movimento internacional #MeToo (eu também – numa referência ao facto de muitas mulheres serem alvo de assédio, no trabalho e não só). São mais de 74 as mulheres que acusaram publicamente o produtor de assédio e abuso sexual, no entanto só duas apresentaram queixas. Uma delas foi Lucia Evans: o caso remonta a 2004, quando a atriz, uma estreante na altura, diz que foi obrigada pelo produtor a fazer-lhe sexo oral. Não é conhecido o nome da mulher que apresentou queixa por violação.
A polícia de Nova Iorque emitiu um comunicado em que agradeceu “a estas bravas sobreviventes por terem tido coragem de avançar e procurar justiça.” Os casos conhecidos remontam até à década de 1980 e algumas das acusações podem já ter prescrito. No entanto, o juiz poderá chamar várias mulheres a testemunhar de forma a estabelecer um padrão de comportamento, como aconteceu no recente julgamento de Bill Cosby.
Além dos crimes sexuais, que também estão a ser investigados em Los Angeles e no Reino Unido, a polícia está ainda a avaliar se houve crimes financeiros relacionados com “a forma como pagou a mulheres pelo seu silêncio” ou se “usou empregados da sua produtora” para chegar às mulheres.
Mas o advogado está confiante de que, quando interrogadas, nenhum júri irá acreditar nestas mulheres. Brafman acha que há uma diferença entre má conduta e conduta criminal: “O sr. Weinstein não inventou o casting couch em Hollywood”, disse, referindo-se ao facto de as atrizes serem escolhidas para papéis em troca de favores sexuais (casting de sofá). Mas isso servirá como desculpa? Seja como for, parece que nos próximos tempos Harvey Weinstein não irá convidar ninguém para o seu sofá.
Produtor “usou a posição, dinheiro e poder para seduzir as mulheres, colocando-as em situações em que poderia violá-las”