Diário de Notícias

Há duas décadas surgiam novos projetos arquitetón­icos na Expo’98

Depois da FIL e do Oceanário, o DN foi à Altice Arena e ao Pavilhão do Conhecimen­to com os arquitetos que os projetaram. Vinte anos depois, Regino Cruz e Carrilho da Graça recordam como conceberam duas das principais obras da Expo’98. Mariana Pereira

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Uma visita ao Parque das Nações com os arquitetos de alguns projetos emblemátic­os: Chermayeff, Carrilho e Regino.

E “Era o êxito, o êxito, o êxito. Combatíamo­s de uma forma solene, até por raiva, o portuguesi­smo malfadado do pessimismo: ‘Não vão conseguir acabar a tempo, na altura da Expo vão estar ainda a pintar paredes.’ Era quase uma afirmação brutal da nossa parte, de irmos contra esse pessimismo dos velhos do Restelo.” A Expo’98 ainda não começara e este era o espírito, o tom dominante entre quem projetava e erguia aquela zona de Lisboa para a grande exposição mundial e para o que viria depois, a cidade, lembra Regino Cruz. Foi nesse tempo que imaginou e viu nascer aquele pavilhão multiusos que começou por ser o Pavilhão da Utopia e, depois de ser o Pavilhão Atlântico e a Meo Arena, é hoje a Altice Arena.

Mega Ferreira, mentor da Expo’98 e depois seu comissário, ter-lhe-á dito: “Senhor arquiteto Regino Cruz, eu quero que faça algo único. O projeto promete, mas o projeto é muito pouco. Eu quero que esteja aqui até ao último minuto, me dê a chave e eu diga: ‘Uau!’”

Por cima de nós está o maior arco estrutural do mundo feito com madeira, naquela enorme cúpula que inverte uma nau quinhentis­ta e em que se contam quase 120 metros de um lado ao outro. Cerca de 40 metros abaixo dela, muito se passou nestes 20 anos. Se quisermos percorrer apenas os tempos recentes, falemos de Roger Waters, há menos de uma semana, ou Bob Dylan, em março, que ali atuaram.

“Imensa gente não acreditava que isto pudesse ser realizado. A ponto de, depois de conseguirm­os o primeiro prémio [no concurso internacio­nal por convite], eu fui abordado, com os engenheiro­s estruturai­s, pelo LNEC [Laboratóri­o Nacional de Engenharia Civil], perguntand­o-nos se não queríamos fazer que esta estrutura de madeira fosse uma estrutura de vigas de aço, forrada a madeira, porque ninguém notava a diferença e os riscos eram muito menores. E nós, de uma forma absolutame­nte perentória, negámos, por uma questão de coerência, de verdade.” Mas não só, defende o arquiteto. O facto de estarmos numa zona sísmica faz da madeira o material mais adequado, além do seu conforto acústico e da resistênci­a ao fogo. Sim. “É um dos mitos que eu durante 25 anos tenho combatido. A madeira arde, mas é muito mais resistente ao fogo do que o betão ou o aço, que rapidament­e colapsa.”

Regino Cruz recorre à ópera para responder à pergunta acerca da sensação que é ver algo que nasceu no desenho ganhar dimensão material nesta escala. “Há momentos numa ópera em que, apesar de estarmos fartos de a conhecer, a ênfase, a entoação com que o cantor lírico está a desempenha­r o seu papel atinge-nos de tal forma que por vezes lacrimejo por mera emoção, apesar de eu saber o princípio, o meio e o fim. Pegando nesta imagem, o mesmo acontece com um pavilhão destes. Isto estava a céu aberto, e quando comecei a ver a montagem da cúpula, senti-me ainda mais pequenino do que sou.” Tal como o projeto recorreu à imagem do caranguejo-ferradura, animal jurássico que ainda existe, apresentad­a “por um estagiário em Londres” como uma das bases da sua conceção. À do caranguejo e da nau juntam-se imagens como a da nave espacial – referente à cobertura de zinco – ou da bíblica baleia com Jonas.

Durante a Expo’98, o arquiteto divertia-se, como figura anónima, nas filas de espera, a ouvir as consideraç­ões dos visitantes acerca do pavilhão. “Uns diziam que era um escaravelh­o. ‘Não, é um boné alentejano!’ ‘Não, é um disco voador!’”

João Luís Carrilho da Graça não ganhou o concurso para o Pavilhão

da Utopia, mas acabou por receber o convite direto para projetar o Pavilhão do Conhecimen­to dos Mares, onde hoje está o Centro Ciência Viva. As indicações eram precisas e o arquiteto sabia o que queria. “Lembro-me de que tinha visitado a Expo de Sevilha e de perceber como era uma espécie de saturação de imagens e de tentativas de captar a atenção das pessoas com imensos efeitos. Por coincidênc­ia – tinha filhos pequenos na altura – fui à EuroDisney, um fenómeno um pouco parecido. O que fui pensando sempre é que o pavilhão que viesse a fazer devia ser uma espécie de pausa entre esta saturação de solicitaçõ­es da Expo e a exposição que ia ocupar o seu interior. A forma do pavilhão tinha esse objetivo: ser muito simples e permitir respirar entre tudo o que se passava no exterior e o que se ia passar lá dentro.”

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 ??  ?? Arquitetur­a Regino Cruz na Altice Arena, que começou por ser Pavilhão da Utopia, e Carrilho da Graça no Pavilhão do Conhecimen­to.
Arquitetur­a Regino Cruz na Altice Arena, que começou por ser Pavilhão da Utopia, e Carrilho da Graça no Pavilhão do Conhecimen­to.
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