Diário de Notícias

É um romance em que o protagonis­ta quer avisar a humanidade e salvar o mundo. Para a autora, pretende ser um profeta, ver através da literatura o que só esta é capaz e considera existir um momento redentor ao contar-se uma história. Um livro fascinante, q

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O seu leitor não ficará chocado quando coloca Camões a comer um frango e a escrever um verso? Não creio. Percebe que Camões a comer frangos é importante nesse contexto e mostra um certo desprezo pela tradição em que temos a tendência para divinizar o poeta e colocá-lo acima de uma situação carnal. Retirá-lo do pedestal não choca. Há outro poeta que atravessa o livro, Fernando Pessoa. Hoje tende-se a colocá-lo como poeta superior a Camões. Concorda? É impossível não dizer que por sensibilid­ade e modernidad­e Pessoa está próximo da nossa vida. Portanto, é natural que se sinta que é da nossa casa enquanto com Camões é preciso viajar para entender a sua grandeza. Fazer uma comparação é impossível, mas sou tentada a dizer que a Ode Marítima, de Pessoa, é o poema de que mais gosto da literatura portuguesa. e redondo. Hoje, ninguém vê mais o homem assim, nem há sociedades heroicas. Se o são num segundo no seguinte já não, e essa mobilidade permanente do nosso olhar que fundamenta o relativism­o da modernidad­e é traduzida por Pessoa e a sua proximidad­e. Mas o seu protagonis­ta não persegue essas figuras míticas do herói? Procura e considera que há de haver alguém que se supere a si próprio para salvar o mundo. Ele ensaia em si mesmo um pouco dessa experiênci­a, é aquele que quer levantar a Terra com a mão e fica sem uma parte do membro. Abatido, cria a imagem do herói moderno, o que não sendo capaz objetivame­nte de salvar o mundo pensa que o será através de uma ficção. Decepa-lhe a mão o para dificultar a aprendizag­em da escrita? Porque ele só é levado a ter o objetivo da escrita e a perceber o mundo que o rodeia depois do sentimento de perda. Para mim, era fundamenta­l que esse aprendiz da escrita sentisse uma perda com a mão que ensaia a escrita e assim, através de movimentos lentos, entrasse na profundida­de do pensamento. Pensou-o assim? uma perda vê o mundo de outra maneira e os objetos não ficam mais colocados sobre a mesa, pois esta estará sobre um estrado, este sobre a Terra, que tem uma parte arável e debaixo dela rocha, até chegar ao fogo da Terra. O que significa que podemos dizer que o objeto está sobre o fogo da Terra. Este é um livro para ler devagar? Admito que sim, que é um livro coral. Não só tem o peso dessa figura do Edmundo Galeano, como são várias a falar ao mesmo tempo. Tem muitas entradas que exigem uma paragem entre capítulos, mas entre os leitores que já o leram existem os que me disseram terem feito de uma assentada entre a tarde e a noite e há muito tempo que ninguém dizia isto sobre um livro meu. Ele é denso, no entanto despojado.

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