Projeções dão larga vitória ao “sim” ao aborto
Sondagem à boca das urnas do jornal The Irish Times dá 68% a favor de mudar lei que proíbe a interrupção da gravidez
Os votos só começam a ser contados nesta manhã, mas as projeções à boca de urnas apontavam ontem para a revogação da lei que proíbe o aborto na católica República da Irlanda. Segundo a sondagem do The Irish Times, 68% dos eleitores votaram “sim” e 32% votaram “não”. A atual lei é uma das mais conservadoras na Europa, proibindo o aborto mesmo em caso de violação, incesto ou malformação do feto, exceto em casos em que a vida da mãe esteja em risco. As mulheres arriscam penas até 14 anos de prisão.
A participação deverá ser das mais elevadas de sempre, batendo a do referendo sobre casamentos homossexuais (61%). “Não dou nada como garantido, mas estou tranquilamente confiante. Penso que uma elevada participação é vantajosa para a campanha do ‘sim’”, disse o primeiro-ministro irlandês, LeoVaradkar, após votar.
As urnas abriram às 7.00 e ficaram abertas até às 22.00. Os relatos iniciais já apontavam para uma participação elevada – em algumas zonas de Dublin era de 40% às 16.30, havendo áreas em que a participação era acima da registada no referendo que, há três anos, aprovou o casamento homossexual. A consulta para revogar a Oitava Emenda da Constituição, uma das leis antiaborto mais conservadoras na Europa – junto com Irlanda do Norte e Malta –, era uma das promessas de campanha de Varadkar. Aprovada em referendo em 1983, esta legislação equiparava a vida do feto à da mulher, reiterando a proibição do aborto que na prática já era ilegal desde 1861. Em 2013, a interrupção da gravidez passou a ser autorizada no caso de risco de vida para a mãe – em 2016, realizaram-se 25 abortos na Irlanda. Outras nove mulheres por dia viajaram para Inglaterra ou para o País de Gales para poder abortar, sendo legal fazê-lo no estrangeiro desde 1992. Caso a lei seja revogada, o governo vai elaborar um projeto de lei que permita autorizar o aborto até às 12 semanas e, em casos específicos, até às 24.
Num país em que 78,3% da população diz ser católica, a Igreja teve um papel mais discreto nesta campanha do que na do referendo de 1983. A Igreja Católica está fragilizada pelos escândalos de pedofilia – pelos quais o papa Bento XVI pediu desculpa em 2010 –, mas também do tratamento às “mulheres caídas” (prostitutas, mas também grávidas fora do casamento), que ao longo de dois séculos foram internadas e obrigadas a trabalhar. A consulta ocorre a três meses da visita do Papa Francisco à Irlanda e três anos após a legalização dos casamentos gay, tendo os irlandeses sido os primeiros a fazê-lo através de referendo.
Os defensores do “sim” e do “não” gastaram ontem os últimos cartuchos para convencer os indecisos, sendo possível fazer campanha a 50 metros dos locais de voto. A lei eleitoral não autoriza os irlandeses que vivem no estrangeiro a votar nas embaixadas ou via postal, mas os que saíram há menos de 18 meses do país continuam inscritos nos cadernos eleitorais. Muitos optaram por voltar à Irlanda para votar, partilhando as histórias nas redes sociais com a hashtag #hometovote.
“Toda a comemoração do #hometovote parece uma resposta a todas as jornadas silenciosas e secretas que foram feitas no outro sentido. Seja qual for o resultado do referendo, o silêncio foi quebrado”, escreveu a escritora irlandesa Jane Casey no Twitter. Outras pessoas mostravam os bilhetes de avião ou a receção que tinham tido ao chegar ao aeroporto para votar. Nesta rede social, o “sim” era o claro vencedor, com as expressões #repealthe8th (revoga a Oitava Emenda), #VoteYes (vota sim) ou #TogetherForYes (juntos pelo sim) no topo das mais usadas no Twitter na Irlanda. Os jovens e os centros urbanos têm tendência para votar “sim”, enquanto a geração mais velha e o meio rural se inclina para o “não”.