Diário de Notícias

A dúvida na eutanásia

- INÊS TEOTÓNIO PEREIRA ESCRITORA

Ser a favor da eutanásia é defender um dever: o dever de matar alguém que em circunstân­cias a definir peça para morrer. Não é defender a liberdade de morrer ou de pedir para morrer, é defender que esse pedido deve ser cumprido, que alguém tem de o cumprir. Defender a eutanásia, que vai ser votada daqui a uma semana, não é aceitar que se pode e que até se deve antecipar a morte de alguém desistindo dos tratamento­s ou medicando de forma a aliviar o seu sofrimento e tendo como consequênc­ia antecipar a morte: nada disto é crime e é consensual. Mas a eutanásia de que se fala não é a destes casos, é a da morte a pedido: quem morre não morre da doença, morre devido a uma ação concreta de alguém que tem o dever de matar inscrito na lei. Também não é ajuda ao suicídio, porque não é o próprio que se mata; nem suicídio assistido, não se assiste, atua-se. Defender a eutanásia implica ainda ter a consciênci­a de que a coerência desta convicção resulta em alargar os fundamento­s muito para além do sofrimento extremo e mensurável. Há quem o defenda abertament­e, como a deputada Paula Teixeira da Cruz, que sem paninhos quentes declarou numa entrevista ao DN que o “direito à boa morte” se deve estender “não só a situações de doença como a outras” e que possa ser praticada não apenas por profission­ais de saúde mas por terceiros.

Paula Teixeira da Cruz não tem dúvidas, tal muitos outros deputados que convictame­nte estão ao seu lado e dizem-no abertament­e: a morte a pedido, mesmo em casos de depressão e mesmo fundamenta­ndo esse pedido em pressupost­os que não são situação-limite, é um direito do doente e um dever do Serviço Nacional de Saúde. E que esta alteração é apenas o princípio. Outros há que acreditam, por ingenuidad­e – só pode – que Portugal será a exceção e que cá a dita rampa deslizante não chega. Depois há quem não pense pela sua cabeça e por isso não pense. Por fim, há os que duvidam, duvidam por falta de convicção, apenas isso. Na questão da eutanásia a falta de convicção chega para definir indecisão. Não sabem, têm reservas em cada uma das opções e medo do compromiss­o ou da falta dele. Só que neste assunto não há espaço para indecisos nem para “ses” porque aquilo que está em causa é impossível corrigir ou desfazer. A dúvida aqui é o grande fundamento da reprovação: o que se vota é o direito de pedir a morte com o correspond­ente dever de matar, não é política fiscal. Alguém conseguirá decidir favoravelm­ente sobre um assunto destes na dúvida de que pode estar errado? E se estiver?

Por fim, há os que duvidam, duvidam por falta de convicção, apenas isso. Na questão da eutanásia a falta de convicção chega para definir indecisão

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