A dúvida na eutanásia
Ser a favor da eutanásia é defender um dever: o dever de matar alguém que em circunstâncias a definir peça para morrer. Não é defender a liberdade de morrer ou de pedir para morrer, é defender que esse pedido deve ser cumprido, que alguém tem de o cumprir. Defender a eutanásia, que vai ser votada daqui a uma semana, não é aceitar que se pode e que até se deve antecipar a morte de alguém desistindo dos tratamentos ou medicando de forma a aliviar o seu sofrimento e tendo como consequência antecipar a morte: nada disto é crime e é consensual. Mas a eutanásia de que se fala não é a destes casos, é a da morte a pedido: quem morre não morre da doença, morre devido a uma ação concreta de alguém que tem o dever de matar inscrito na lei. Também não é ajuda ao suicídio, porque não é o próprio que se mata; nem suicídio assistido, não se assiste, atua-se. Defender a eutanásia implica ainda ter a consciência de que a coerência desta convicção resulta em alargar os fundamentos muito para além do sofrimento extremo e mensurável. Há quem o defenda abertamente, como a deputada Paula Teixeira da Cruz, que sem paninhos quentes declarou numa entrevista ao DN que o “direito à boa morte” se deve estender “não só a situações de doença como a outras” e que possa ser praticada não apenas por profissionais de saúde mas por terceiros.
Paula Teixeira da Cruz não tem dúvidas, tal muitos outros deputados que convictamente estão ao seu lado e dizem-no abertamente: a morte a pedido, mesmo em casos de depressão e mesmo fundamentando esse pedido em pressupostos que não são situação-limite, é um direito do doente e um dever do Serviço Nacional de Saúde. E que esta alteração é apenas o princípio. Outros há que acreditam, por ingenuidade – só pode – que Portugal será a exceção e que cá a dita rampa deslizante não chega. Depois há quem não pense pela sua cabeça e por isso não pense. Por fim, há os que duvidam, duvidam por falta de convicção, apenas isso. Na questão da eutanásia a falta de convicção chega para definir indecisão. Não sabem, têm reservas em cada uma das opções e medo do compromisso ou da falta dele. Só que neste assunto não há espaço para indecisos nem para “ses” porque aquilo que está em causa é impossível corrigir ou desfazer. A dúvida aqui é o grande fundamento da reprovação: o que se vota é o direito de pedir a morte com o correspondente dever de matar, não é política fiscal. Alguém conseguirá decidir favoravelmente sobre um assunto destes na dúvida de que pode estar errado? E se estiver?
Por fim, há os que duvidam, duvidam por falta de convicção, apenas isso. Na questão da eutanásia a falta de convicção chega para definir indecisão